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JOVENS ALEXANDRE DE MORAES
Alexandre de Moraes: “Eu? Botando ordem na casa? Esses jovens…”| Foto: Rosinei Coutinho/STF

Não queria, juro que não queria. Não queria mencionar o nome de Alexandre de Moraes novamente. Mas vou e a culpa é toda do jurista e amigo André Marsiglia. Que, num dos primeiros episódios do Entrelinhas, chamou minha atenção para um fato assustador: está surgindo aí uma geração desacostumada à liberdade. Pior: uma geração que vê a liberdade como algo nocivo.

Fiquei com isso na cabeça e fui conferir. Na primeira oportunidade que tive, conversei com alguns jovens, me prestando ao patético papel de tiozão interessado. E foi estarrecido, nada menos do que estarrecido, dramaticamente e histericamente estarrecido que ouvi um deles dizer que “tio, mas o Alexandre de Moraes tá botando ordem na casa”. Assim, sem nem um “Xandão” para debochar do poder absoluto do reizinho de toga, nem uma giriazinha qualquer para debochar da minha ignorância quanto ao vocabulário da juventude.

Verso e prosa

Mas, nesse caso, Alexandre de Moraes e a corte de aloprados que ele integra não podem ser considerados os únicos culpados por uma geração que normalizou a escravidão ideológica e que não está nem aí para a censura, desde que a deixem pintar os cabelos de azul. Afinal, a liberdade há muito deixou de ser um valor exaltado por artistas ou pelos tais formadores de opiniões. Ou seja, os jornalistas e influencers. Ô, raça!

Ninguém mais canta a liberdade em verso e prosa. E, se cantasse, é bem provável que a mensagem não alcançasse uma juventude viciada em distração e para a qual se perdeu outro valor historicamente associado a essa etapa da vida: a curiosidade. Repare. O jovem de hoje tem à sua disposição, com um punhado de cliques, todo o conhecimento do mundo. E por isso mesmo não está nem aí.

Típico da idade

Foi o que deduzi depois de conversar mais um pouco com os jovens do segundo parágrafo. Aqueles que acreditam na narrativa de que Alexandre de Moraes “está botando ordem na casa”. Não é que eles não saibam procurar as informações de que precisam para compreenderem melhor a realidade. Claro que sabem. O problema é que eles não fazem a menor questão de interromper o joguinho no celular para fazer uma pesquisa simples no Google. E ainda mais se essa informação puser em risco o argumento oficialesco – aquele que eles reproduzem com o prazer preguiçoso típico da idade.

Por falar em “típico da idade”, além da curiosidade e da ânsia pela liberdade (quanto “dade numa mesma frase”!), outra coisa que os jovens perderam foi a capacidade (outro!) de mergulhar numa crise existencial daquelas, sabe? O que parece bom, porque nada mais insuportável do que um adolescente deprê questionando seu papel no mundo. Mas só parece, porque na melhor das hipóteses a crise existencial continua lá, mas está camuflada por um hedonismo artificial; na pior, a crise continua lá, mas está camuflada por todo um arco-íris de pílulas e comprimidos contra TDAH, depressão, ansiedade e o que mais estiver no cardápio do psiquiatra.

O que é que há, velhinho?

“O que é que há, velhinho? Qual o problema?”, você me pergunta e eu respondo que o problema, ou melhor, o Problema é que essa será a geração que cuidará da minha. Que governará a minha. E que educará as gerações posteriores. Agora imagine um mundo cheio de juristas à vontade com a tirania e que dão de ombros para essa tal liberdade. Mais: imagine um mundo governado por políticos incapazes até de se dizerem niilistas, porque têm preguiça de se aproximarem do abismo. Por fim, imagine um mundo educado por uma geração que, em vez de aprender com a tradição ancestral, prefere aprender sozinha como funciona a roda.

Taí, Marsiglia. Satisfeito? Não só me fez escrever sobre o inevitável e sempre assustador choque de gerações como também me botou numa enorme crise existencial. E agora cá estou eu, fantasiado de grunge, ouvindo Nirvana e me perguntando “escrever para que se os jovens, aqueles de alguns parágrafos atrás, não me leem?”. Ainda bem que me resta a curiosidade. Por falar nisso, vou voltar aqui para o “Padre Elias”. Recomendo.

Um abraço do
Paulo

P.S.: Me refiro ao romance “Padre Elias”, de Michael D. O’Brien. Leia pra ontem.

[Esta coluna é uma reprodução da carta que chega à caixa postal dos assinantes toda sexta-feira. Se você ainda não se inscreveu, lá em cima, logo depois do primeiro parágrafo, tem um campo para isso].

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