“O Meu Pé de Laranja Lima”: e foi assim que eu ganhei a minha primeira roupa de poeta. E fiquei lindo.| Foto: Reprodução
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Será muita ousadia de minha parte sugerir que você deixe para depois o cinismo insuportável, mas divertido e, vá lá, genial de Machado de Assis e mergulhe no sentimentalismo brutal do clássico infanto-juvenil “O Meu Pé de Laranja Lima”, de José Mauro de Vasconcelos? Talvez. Mas acordei com vontade e aproveito para avisar que, neste campo minado da discussão literária, a partir daqui você continua lendo por sua própria conta e risco.

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Opus os dois livros um tanto por capricho, outro tanto por galhofa. E também porque tanto Machado de Assis quanto José Mauro de Vasconcelos estiveram em evidência nas últimas semanas. O primeiro porque seu “Memórias Póstumas de Brás Cubas” foi elogiado por uma gringa e, bom, você sabe como funciona essa coisa de “complexo de vira-latas”, não? O segundo porque descobriu-se que está na lista dos livros a serem usados nas escolas chinesas. E vendeu 400 mil exemplares por lá.

Aí já viu: fiquei pensando no porquê de a China estar recomendando a história triste de Zezé para suas crianças. E me lembrei das duas vezes em que li “O Meu Pé de Laranja Lima”. Primeiro na adolescência: a edição caindo aos pedaços era uma metáfora incompreensível da destruição que o livro causaria em meu coração imaturo. Depois, já homem feito (ou quase isso), o livro me causou um estrago ainda maior – como se fosse possível.

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Mas antes, e para você que ainda não sabe, mesmo depois de mais de cem edições, além de adaptações para o teatro, cinema e televisão, “O Meu Pé de Laranja Lima” conta a história trágica de Zezé, um menino pobre que tem por amigo e confidente apenas um (adivinha!) pé de laranja lima. Até que ele faz amizade com um velho rico da região, o Portuga e aí, caro leitor... Aí só de lembrar me dá vontade de chorar.

Sentimentalismo bruto

É claro que “O Meu Pé de Laranja Lima” não é melhor do que “Memórias Póstumas...”. Não é sequer um livro bem escrito. Mas há duas coisas ali dignas de nota: uma sinceridade como não se vê nos livros atuais, principalmente livros que busquem retratar um cotidiano pobre e sofrido; e uma espécie de “educação pela pedra”, que se dá por meio do que chamei de sentimentalismo bruto. Gostei do termo.

A história de Zezé é um antídoto à Geração Mimimi. Uma geração que, coincidentemente, se farta no cinismo machadiano. Mas não, não é pelo caminho do conflito de gerações que quero que o texto prossiga. Tentemos de novo: a história de Zezé é um antídoto à Geração Mimimi, criada na abundância e que se diverte no parque de diversões do identitarismo e das ideologias, com sua promessa irrealizável de felicidade infinita.

Zezé tem apenas seis anos. Sim, você leu certo e eu não estou delirando: seis anos. Ele apanha, é humilhado e é alvo de várias injustiças e mal-entendidos típicos da infância. E dá-lhe vara de marmelo! Como alívio para essa vida dura, realmente dura e sem espaço para chororô, Zezé tem apenas o internacionalmente famoso pé de laranja lima, chamado Xururuca, e, depois, o Portuga que, no entanto, lhe é tirado pelo crudelíssimo destino.

Estou chutando e confesso que esta é uma opinião baseada em estereótipos, mas acredito que essa educação pela pedra e esse sentimentalismo bruto, que forjam o caráter e criam uma “casca” necessária para sobrevivermos a um mundo hostil e injusto, é o que interessa aos educadores chineses. E também é o que, com alguma sorte, vai interessar a você.

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