A gente vem aqui, escreve, escreve, escreve. Se descabela e, a muito custo, contém o xingamento que quer ser gritado aos perdigotos. A gente cita pensadores eruditos, cria trocadilhos, abusa do lamentável!, absurdo! e inaceitável!. A gente perde o sono se perguntando quando é que essa palhaçada, ou pesadelo, vai acabar. Tudo porque consideramos a liberdade de expressão um direito inalienável do ser humano. Meu, seu, nosso. Até dos canalhas inomináveis.
E, porque vivemos em bolhas fomentadas pelos algoritmos, de vez em quando temos a impressão, ou melhor, a ilusão, ah, a triste ilusão de que estamos cercados por pessoas que comungam desse mesmo apreço pela liberdade – própria e alheia. O que só aumenta a indignação. E dá-lhe lamentável!, absurdo! e inaceitável! e sobrancelhas arqueadas em ângulos cheios de revolta impotente.
“Como é possível que Alexandre de Moraes faça o que vem fazendo sem qualquer reação da sociedade?”, nos perguntamos, mais perdidos do que o John Travolta naquele meme famoso. “OAB, cadê você?”, pergunta meu colega Marcel Van Hattem. “Vai ficar por isso mesmo?”, pergunta o leitor que outro dia me abordou para dizer que abandonou o noticiário porque estava lhe fazendo mal.
E assim, seduzidos pela miragem de um oásis teórico chamado “democracia”, com suas palmeiras de frondosas e verdejantes virtudes protegendo um poço de bem comum refrescante e cristalino, alimentamos a esperança de que em breve daremos os braços uns aos outros e, guiados por sabe-se lá quem, marcharemos em defesa dela, a liberdade sequestrada e torturada pelo malvado sultão Al-Calvo.
Glúteos, golpes e dancinhas
Quando, na verdade, o brasileiro não está nem aí para um assunto que, aliás, ele mal compreende. Desde que o Big Brother continue sendo transmitido, desde que os memes com anões não estejam ameaçados, desde que se possa ostentar os glúteos no Instagram, desde que se possa continuar dando golpes por WhatsApp e desde que ninguém proíba as dancinhas no Tik Tok, ninguém dá a mínima para a censura ao Telegram e Google.
Ah, mas tão lindos os nossos contra-argumentos, não? Um ressalta a importância da crítica respeitosa aqui; outro fala da eventual beleza da ironia e da sátira acolá. Tudo muito belo & moral e, enquanto me for permitido, continuarei fazendo. O que não invalida a constatação algo trágica, neste texto, de que ao meu lado aqui no busão está alguém que trocaria fácil-fácil o fiapo de liberdade que lhe resta por uma bolsa-cala-boca qualquer.
Isso sem falar naqueles (inclusive jornalistas!) que, por interesses que vão da inveja à perversidade pura e simples, apoiam desavergonhadamente a censura a tudo o que os contraria. Acha que estou exagerando? Então leia o editorial do jornal O Globo, escandalosamente intitulado “Aprovação do PL das Fake News será avanço civilizatório”. Mais: procure saber (!) o que pensam os artistas sobre a censura que, a despeito dos muitos exemplos históricos, eles acreditam que desta vez será “do bem”.
E, no entanto, é preciso perseverar nessa luta tão inglória quanto ingrata. Porque é em momentos como este, em dias como hoje, em horas como agora, que se reconhecem os valentes, os covardes e os que estão à toa na vida, vendo a banda passar. É nesta batalha de derrota quase certa que os honrados riem da vitória de Pirro dos vermes e pusilânimes. Ou, para usar a imagem bíblica sempre precisa, é agora que o joio cai para um lado (e é descartado) e o trigo para o outro.
Mesmo que, alheio a tudo isso, quando perguntado sobre a liberdade o seu Zé aqui ao lado dê de ombros e insista em rir kkkkkkkkk do mais recente vídeo de um gordo tropeçando.
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