Meu Kindle está entupido de livros que explicam como chegamos a este atoleiro. Mark Lilla, por exemplo, fala do reacionarismo e de seu apelo à nostalgia e às glórias falsas do passado. Oquei. John Gray parece um diabo-da-Tasmânia, demolindo igualmente o darwinismo e o cristianismo em seu “Cachorros de Palha”.
Em “The Righteous Mind”, Jonathan Haidt fala um monte de abobrinha para chegar à mesma conclusão que minha avó já proclamava nos natais da família: todo mundo acha que tem razão em tudo. Em “Espiritualidade para Corajosos”, Pondé aponta para a falência espiritual do Ocidente e põe a culpa na nossa herança cultural riponga.
Chesterton vai além em “O Que Há de Errado Com o Mundo”, livro que bem poderia ser resumido em uma palavrinha: tudo. Isso sem falar em Caplan, em Rothbard, e em todos os livros que falam da decadência da democracia, da ascensão do autoritarismo e até na tirania dos especialistas.
Mundão véio sem porteira
Acho que, depois de tudo o que li nos últimos dois anos, a imagem está bem clara para mim. Chegamos a este estado de coisas a que dou o nome pouco criativo de “atoleiro” por causa do Iluminismo e da Revolução Industrial e do marxismo e do cientificismo eugenista (apud Jeffrey Tucker) e de Foucault & Marcuse e da ameaça existencial das bombas atômicas. Ah, sem falar na macabra tecnologia das redes sociais.
Ótimo. Maravilha. Agradeço a esses e tantos outros escritores vivos ou mortos que tive o questionável prazer de ler e até traduzir por me explicarem por que a realidade é assim e por que fico deprimido se ligo a TV ou abro o celular para acompanhar o noticiário. Mas agora quero mais e, se pudesse, pediria que todos esses gênios que sabem ligar os pontos como ninguém se dedicassem a descobrir uma saída deste labirinto em que nos encontramos.
Gostaria de pedir que eles ou algum outro escritor que agorinha mesmo está fazendo fichamento para escrever mais um livro explicando a semelhança entre o jacobinismo e as milícias digitais me dessem um pouco de esperança. Pode ser até esperança falsa. Não ligo. Que me dissessem que o mundo vai, aos trancos e barrancos, continuar sendo o mundão véio sem porteira da minha infância – cheio de mistérios e fascínio.
Pilha de escombros
Onde estão os livros, à esquerda ou direita, provando por a + b que o tal de mundo moderno, apesar de todos os inegáveis defeitos, ainda é bem melhor do que o mundo antigo, quando se morria por causa de um abcesso, havia execuções públicas e, bom, a vida estava longe de ser divertida como é hoje? Onde estão as longas e até tediosas exposições sobre o incrível sucesso do homem e da Humanidade – contra todas as probabilidades?
As perguntas são evidentemente retóricas. Sei que há vários livros que mostram o sucesso do homem enquanto espécie. “O Otimista Racional”, de Matt Ridley, por exemplo, é um que me vem à mente. Isso sem falar nas milhares de biografias, romances e até poemas que são, em si, um atestado de nossa incrível capacidade criativa e das virtudes da nossa busca por redenção. É nesses livros que vale a pena buscar sabedoria. Sabedoria, não conhecimento. São eles que nos dão alguma esperança. Esperança de verdade, não promessas vazias.
Mas esses livros raramente encontram espaço na prosa pessimista, digo, sadofatalista dos analistas contemporâneos, que devem achar divertido e até prazeroso disseminar a desesperança entre os homens. De minha parte, que é uma parte minúscula, mas é minha e ninguém tasca, simplesmente cansei dessa obsessão por descobrir qual caminho nos trouxe à suposta ruína.
Já está na hora de usar essa pilha de escombros para erguer algo de admirável.
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