Coitada da nota de 200 reais. Aquela que ainda não tive em mãos e acho que não terei tão cedo. Não que eu queira me fazer de pobrezinho ou coisa parecida. É que não uso dinheiro de papel mesmo.
Ela já nasceu toda atrapalhada, envolta em suspeitas e falsas polêmicas, e fruto da iniciativa de um burocrata qualquer do Conselho Monetário Nacional, provavelmente entediado com a pandemia e o noticiário político. “Eureca!”, gritou ele no meio de uma reunião séria, cheia de gráficos ininteligíveis e frases de efeito sem efeito algum. “Por que não criamos uma nota de R$200?”
E, se tem algo que aprendi ao longo desses muitos anos tendo ideias estapafúrdias é que, por pior que seja a ideia, sempre haverá alguém para lhe dar apoio. Nem que façam isso para vê-lo depois de cabeça baixa, arrependido e choramingando seu erro pelos corredores da criatividade.
Paranoia
Logo que saiu a notícia de que a Casa da Moeda passaria a imprimir notas de R$200, houve quem dissesse que a cédula foi criada apenas com o intuito de se estimular a corrupção, diminuindo o volume de dinheiro físico transportado ilegalmente. Uma teoria estapafúrdia e paranoica, que não faz nenhum sentido no mundo real. Mas que serviu como uma espécie de chupeta para consolar aqueles que veem corruptos por todos os lados.
Depois teve a história do lobo-guará, o animal escolhido para enfeitar (ou seria enfeiar) a nota. Houve quem dissesse que era absurdo, que o Brasil deveria voltar a homenagear seus grandes vultos históricos nas cédulas de Real. E tome discussão estéril. Depois, houve quem defendesse o adorável vira-lata caramelo (Canis brasiliensis) no lugar do esquálido e meio antiquado lobo do cerrado. O brasileiro é um pândego!
Depois de todo esse palavrório, a cédula de R$200 acabou criada de acordo com o plano original: amarelada como o mato seco do Pantanal que pega fogo todos os anos, com o mirradinho lobo-guará desenhado por um artista indeciso entre o naïf e o hiper-realismo infantil. Mas não sem que houvesse esperneio daqueles cuja profissão é justamente espernear. Rede, Podemos e PSB, partidos que sobrevivem à base de ruído, entraram com uma ação no STF para que a cédula fosse abortada.
Mas ela está por aí. Dizem, porque nunca vi. Virou até atração turística, por assim dizer. Meu pai mesmo outro dia fugiu da prisão da pandemia para ir até o banco tirar um dinheirinho. Ele esperava pescar garoupas quando viu emergir do caixa-eletrônico o nada ameaçador lobo-guará. E me ligou todo afobado, parecendo uma criança. “Vem cá ver, filho”, convidou. “Venha antes que acabe”.
Grand Canyon da anatomia
E agora a cédula tão cobiçada, com a qual dá para comprar meio quilo de arroz ou cinco bonequinhos do Véio da Havan, está de novo na boca do povo, por mais anti-higiênico que seja isso. Tudo porque o senador Chico Rodrigues (DEM), na correria por salvar um pouco do seu patrimônio em meio a uma ação de busca e apreensão, teria optado pela curiosa estratégia de esconder dinheiro no Grand Canyon da sua anatomia.
Eu não estava presente e, se estivesse, é provável que tivesse vomitado, mas quem estava lá jura que viu o lobo-guará sair da toca do senador, todo enlameado e um tanto quanto cambaleante – caráter de corrupto fede. Ele andou de um lado para o outro com suas perninhas finas, ergueu o focinho tentando conferir alguma dignidade ao seu porte famélico e uivou seu uivo mais indignado, que em bom e velho loboguarês queria dizer simplesmente “Pra mim chega”.
Quem ouviu os lamentos do animal foi a Defensoria Pública da União, que entrou com uma Ação Civil Pública para que o Banco Central retire todos os lobos-guarás de circulação o mais rápido possível. Para os entediados defensores públicos, com seus salários de muitos lobos-guarás por mês, sua imensurável vontade de aparecer (deu certo!) e sua incurável ignorância quanto aos custos envolvidos, a nota de R$200 é ilegal porque o tamanho da cédula, semelhante à de R$20, caracterizaria discriminação contra os cegos.
Ameaçado de extinção, o pobre lobo-guará, que nem queria ser imortalizado em cédula alguma (a experiência da moeda de 100 cruzeiros já o tinha traumatizado), agora se vê cercado por outros riscos. E, azar dos azares, procurar uma toca para se esconder deixou de ser uma opção.
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