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Polzonoff

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"Para nós, há apenas o tentar. O resto não é da nossa conta". TS Eliot.

Lockdown não ajuda a salvar vidas. Mas tão linda a narrativa…

Especialistas preveem catástrofe, sugerem lockdown como solução e divulgam documento atestando: nós salvamos vidas. E há quem acredite. (Foto: Bigstock)

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Circula por aí a notícia de que as recentes medidas restritivas impostas aos cidadãos curitibanos ajudaram a salvar nada menos do que 1500 vidas. A estimativa é dos próprios cientistas que previram a catástrofe, sugeriram o lockdown e agora divulgam um documento qualquer para dizer “estávamos certos”. Deem logo um Nobel para eles!

Assim, minha fria, cinzenta e antipática Curitiba se torna, ao lado de Wuham, na China, a única cidade do mundo em que lockdown deu certo. O fato de a capital paranaense, apesar dos lockdowns, medidas restritivas e obrigatoriedade de máscaras, ter hoje uma taxa aproximada de 2.155 mortos/milhão (número mais alto do que o de países como Itália e Inglaterra, que impuseram medidas ainda mais rígidas e inúteis) é um detalhe que, bom, deixa para lá senão estraga a narrativa.

Apesar de ter cara de ciência, contudo, a narrativa está mais para um projeto literário – de um livro enfadonho, mas aparentemente capaz de convencer essa geração educada à base de bruxinhos, orcs e distopias estreladas por Jennifer Lawrence. Uma geração que não vê nada de mau no fato de o STF (braço moral do Estado) dar legitimidade ao fascismo e condenar rituais religiosos. Uma geração que acredita que modelos matemáticos são capazes de dar um drible no vírus, na morte e, de quebra, mostrar as mazelas do capitalismo opressor. Uma geração que enxerga na peste chinesa uma oportunidade de purificar a humanidade.

Não tem tu, vai tu mesmo

Tudo começa quando especialistas em serem especialistas pegam dados imprecisos e os jogam tudo num modelo matemático. O fato de o coronavírus causador da Covid-19 ser um ilustre desconhecido para a ciência é mero detalhe. Não se sabe, por exemplo, quão contagioso exatamente é o vírus. Nem quão letal. Tampouco se sabe o que torna algumas pessoas mais suscetíveis à doença. Mais: não se sabe nem mesmo como mensurar com precisão as taxas de isolamento e a eficiência do fechamento do comércio "não essencial". Mas é como se diz: não tem tu, vai tu mesmo.

Uma vez colhidos os dados que darão suporte estatístico à conclusão prévia de que lockdowns são legais, gente, o pasteleiro, o vendedor de roupas e o dono do bar que se virem, é hora de usar a incompreensível ciência dos modelos matemáticos rodados em supercomputadores. Fico pasmo em notar que os cientistas, ah, meu amigo, os cientistas nem disfarçam mais. Eles usam certas expressões e certas imagens para criar no público leigo a impressão de viverem num patamar superior, onde só se fala o idioma da mais objetiva racionalidade. E ai de quem não concordar.

Então estamos combinados: como você não entenderia a complexidade dos modelos matemáticos que rodam em supercomputadores, você não pode contestar a conclusão autocongratulatória dos especialistas. É assim que raciocinam os cientificistas. E bastaria o diploma na parede, mas eles vão além. A fim de garantir a obediência parida pela ignorância, eles ainda usam uma linguagem hermética para que não restem dúvidas: estamos diante de semideuses.

Aí vem a parte publicitária da coisa. Feita para vender medo e os lockdowns como panaceia. Importante notar o uso de certas palavras. “Estudo”, “pesquisa”, “levantamento” são algumas delas. Verbos imprecisos e vazios – como “sugerem”, “indicam” e o onipresente “pode” – ajudam na consolidação da narrativa. Não podem faltar ainda a palavra “especialistas” e a marca de um centro de pesquisa qualquer (para dar peso institucional) num documento timbrado. Agora é jogar a isca.

Mentalidade cientificista

Pronto. Depois de todo esse processo, o que você tem em mãos é um Documento assinado por Especialistas atestando, a partir de Dados e Modelo Matemáticos, e fazendo uso de uma Ciência que apenas os Escolhidos são capazes de compreender, que o fascismo sanitário é ruim, mas necessário, e ajudou a salvar não 1.499 nem 1.501, e sim 1.500 vidas.

Ninguém em sã consciência iria contra essa narrativa, não é mesmo? Afinal, só um monstro sem nenhuma empatia questionaria medidas ultracientíficas que, apesar de destrutivas em vários outros níveis, salvaram 1.500 pessoas da morte certa, incluindo seu vovô e sua vovó.

Uma vez concluído o Estudo, é hora de divulgá-lo com o maior estardalhaço possível. Para isso, os especialistas contam com a cumplicidade de pessoas já simpáticas à causa e que, por ignorância ou medo de serem vistos como negacionistas, por acreditarem na possibilidade de purificar a humanidade ou até mesmo de recriá-la, ou ainda por submissão cega à ciência, jamais questionarão os dados imprecisos, as variáveis subjetivas e a subjetivíssima sensação de autoimportância dos especialistas. E muito menos a mentalidade cientificista, que vê na pandemia a oportunidade de se firmar como guia racional da humanidade rumo ao Paraíso.

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