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Calma. Inspira, expira. Inspira, expira. Você lê a notícia de que um advogado pediu ao Conselho Nacional de Justiça que investigasse e punisse a juíza Ludmila Lins Grilo por exaltar aglomerações em meio à pandemia. E, nessa de ler as coisas rápido demais, vai logo concluindo que o CNJ abriu uma investigação contra a juíza e que ela será punida por suas opiniões pessoais.
Para o prestativo e obediente advogado, a juíza não poderia expressar uma opinião dissidente do “consenso científico” sem que isso acabasse por respingar na imagem da magistratura. Lindo, isso. Pena que, se a imagem da magistratura está maculada, não é por opiniões controversas de uns juízes, e sim pelo ativismo político de outros. Sem contar as famosas “aposentadorias compulsórias” dadas como punição pelo CNJ – talvez a maior prova de que, no Brasil, o crime compensa.
Só que, até aqui, a notícia se refere apenas aos argumentos do advogado na ação contra a juíza, e não a uma punição pelo CNJ. Não que ela seja impossível. Ainda mais sendo a juíza Ludmila Lins Grilo personagem de alguma constância no noticiário, mais por seus posicionamentos fora da corte (ela seria pró-Bolsonaro, fã de Olavo de Carvalho e está associada a canais bolsonaristas no YouTube) do que por sua atuação profissional. Ainda bem para Grilo. Imagine figurar no noticiário como uma juíza que deu liberdade a uma vegana presa porque ela, a vegana, não tinha alimentação adequada na cadeia.
Fui ler o pedido do obsequioso e diligente advogado. E, logo no começo, me deparei com um trecho no qual o causídico revela, talvez inconscientemente, como certa casta privilegiada e dada a se vangloriar das próprias virtudes se vê. “A partir do mês de março do ano de 2020, este e Conselho Nacional de Justiça adotou uma série de medidas com o objetivo de prevenir o contágio dos servidores do Poder Judiciário e da população em geral pelo COVID-19”. A distinção entre as classes “servidores” e “população em geral” salta aos olhos – quase tanto quanto o estilo literário do autor.
Continua o doutor argumentando que “as determinações deste Conselho Nacional de Justiça vieram ao encontro das orientações das autoridades sanitárias, que, com base na ciência, recomendaram, desde o início da pandemia, e continuam recomendando, especialmente neste momento em que o número de casos e de mortes estão em franco crescimento, o distanciamento social como medida de prevenção ao contágio da população”. E aqui sou obrigado a interromper a sacolejante leitura dessa exuberância de vírgulas para um entretítulo urgente.
Com base na ciência
Mais do que uma possível punição a um indivíduo pelo crime, oh!, hediondo de defender que as pessoas se aglomerem livremente, o que incomoda no argumento do prestimoso advogado é o uso da ciência para justificar o que não passa de um óbvio cala-boca.
A que ciência você se refere, egrégio jurisperito? Àquela que me obriga a manter distanciamento de meus companheiros de voo na hora do embarque, só para me deixar coladinho a eles dentro do avião? Ou aquela que fecha escolas e libera bares e restaurantes?
Ou seria ainda àquela ciência que proíbe aglomerações festivas de banhistas nas lindas praias brasileiras, mas não vê problema algum numa aglomeraçãozinha política, desde que seja para defender o aborto? Ah, não. Deve ser àquela ciência que fecha os mercados aos domingos para lotá-los aos sábados. A ciência dos modelos matemáticos. A ciência da mui crível OMS. A ciência dos Átilas da vida.
Aglomerações “ilegais”
De volta ao caso da juíza Ludmila Lins Grilo, confesso que também senti um calorzinho no coração ao ler as notícias de que, em Búzios (RJ) e Manaus, a população finalmente se cansou das medidas restritivas inúteis e autoritárias que tiram das pessoas um dos direitos humanos mais básicos que existem: o direito ao trabalho e autossustento. Fiquei feliz também ao ver que, até por uma questão de bom senso, nas praias os banhistas se aglomeraram “ilegalmente”. Afinal, o que é o novo coronavírus perto de todas as doenças que se pode pegar nas nossas águas?
À medida que a população for vacinada, com ou sem polêmicas quanto à eficácia e obrigatoriedade da imunização, cenas como essas ficarão mais comuns. Neymar dará festas cada vez maiores. Bruna Marquezine alugará mais ilhas. Até Felipe Neto sairá para mais peladas – sem o medo de ser flagrado por um cinegrafista.
Com alguma sorte, as máscaras serão jogadas no lixo, acabarão no fundo dos oceanos, e Greta Thunberg voltará a nos repreender por alimentarmos as tartarugas. E então teremos aprendido da pior forma uma lição que não será esquecida por nossos filhos e netos nas pandemias vindouras: a de que, apesar dos doutores Frankenstein por aí, a ciência do medo não pode ser usada para se conter o ímpeto humano nem para se criar um novo futuro utópico e estéril.