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Você que é bem informado deve ter ouvido a gravação em que funcionários públicos de Belford Roxo (RJ) são, digamos, incentivados a aproveitarem o ponto facultativo decretado pelo prefeito da cidade para fazerem figuração na claque petista durante uma visita de Lula à Baixada Fluminense. Claro que isso não vai dar em nada. Mas o caso ajuda a escancarar um fato que nem o petista mais entusiasmado consegue negar: Lula é um presidente sem povo.
É assim desde que o ex-presidiário tomou posse. Naquele dia em que, segundo William Bonner, “até o céu de Brasília ficou mais bonito”. Nas raras viagens que Lula fez dentro do Brasil, ele ou se isolou ou apareceu cercado por uma plateia composta por intelectuais, burocratas e tecnocratas – e um povo cenográfico mirradinho, que dá uns gritos e aplaude as bobagens de Lula em troca de um boné e um lanche qualquer.
Trata-se de um fenômeno no mínimo intrigante. Afinal, como é possível que o homem escolhido por 60 milhões de pessoas, numa das eleições mais disputadas da história, não seja capaz de mobilizar espontaneamente a outrora comprometida militância petista? Como é possível que o Pai dos Pobres, o Presidente-Operário, o líder máximo, honorário e eterno do Partido dos Trabalhadores não consiga reunir multidões de, well, pobres operários trabalhadores em suas andanças pelo país?
E, já que estou no embalo de fazer perguntas, aqui vai mais uma: como explicar a um leitor que (compreensivelmente) flerta com soluções autoritárias as mais diversas, isto é, que está em crise com a democracia, que o apregoado “governo do povo, para o povo e pelo povo” é exercido por um homem distante... do povo? Tem algo de errado aí. Ou eu estou enlouquecendo - o que também é sempre uma possibilidade.
Como explicar a um leitor que o apregoado “governo do povo, para o povo e pelo povo” é exercido por um homem distante... do povo?
Por outro lado, o Brasil tem um ex-presidente inelegível que, numa quarta-feira qualquer, consegue reunir algumas centenas de pessoas dispostas a enfrentar o calorão de São Sebastião (SP) para demonstrar apoio. E, já que estamos aqui mesmo, para zombar da perseguição a Bolsonaro, acusado pelo Ministério Público de “importunar intencionalmente” uma baleia. Não adianta tapar o sol com a peneira: mesmo fora do páreo, Bolsonaro ainda desperta o entusiasmo de muita gente. De muito povo, e não de intelectuais, sindicalistas e funcionários públicos. Como é possível?
Para alguns, a resposta para esse dilema passa por tramas complexas que envolvem torradeiras mal-intencionadas e algoritmos intrincadíssimos. Eu, porém, prefiro usar minha imaginação para fins mais nobres. Por isso vou me restringir a fazer um alerta: quem quer que tenha colocado Lula na Presidência, por quaisquer que tenham sido os meios, precisa estar atento a essa discrepância entre a popularidade e o poder do fantoche de Garanhuns. Porque está ficando feio e eu mesmo já notei que a justificativa de que as redes sociais distorcem a nossa percepção da realidade não cola. Não tanto. Não mais.
Percepção. Taí uma palavrinha que, venho dizendo há tempos, deveria ter sido levada mais a sério pelas autoridades eleitorais – aquelas que cuidam da faceta mais visível da democracia. Porque é disso que se trata o poder respeitado e admirado por ser legítimo: percepção. Percepção de que o Estado vale a pena ser defendido. Ou percepção de que ele deve ser refundado. Percepção de que os governantes buscam o bem comum. Ou percepção de que não buscam. Percepção da honestidade. Ou percepção da corrupção. Percepção da retidão de intenção. Ou percepção de que o governante busca apenas o que é conveniente para ele, para o partido e para seus amigos bilionários.
Para o homem comum, naturalmente ressabiado dos poderosos que ele conhece de outros carnavais e cujas estripulias ele acompanha por telejornais cada vez mais desacreditados, uma vez instalada a desconfiança é difícil revertê-la. Por mais campanhas publicitárias que insistam no mito da democracia inabalada. Por mais que se criem leis nos obrigando a acreditar no que dizem os ministros do TSE. Aí a saída é impor a democracia. O que é um disfarce clássico para uma ditadura.