Com explicar que o governo do povo, para o povo e pelo povo é exercido por um homem distante…. do povo?| Foto: EFE/ Andre Borges
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Você que é bem informado deve ter ouvido a gravação em que funcionários públicos de Belford Roxo (RJ) são, digamos, incentivados a aproveitarem o ponto facultativo decretado pelo prefeito da cidade para fazerem figuração na claque petista durante uma visita de Lula à Baixada Fluminense. Claro que isso não vai dar em nada. Mas o caso ajuda a escancarar um fato que nem o petista mais entusiasmado consegue negar: Lula é um presidente sem povo.

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É assim desde que o ex-presidiário tomou posse. Naquele dia em que, segundo William Bonner, “até o céu de Brasília ficou mais bonito”. Nas raras viagens que Lula fez dentro do Brasil, ele ou se isolou ou apareceu cercado por uma plateia composta por intelectuais, burocratas e tecnocratas – e um povo cenográfico mirradinho, que dá uns gritos e aplaude as bobagens de Lula em troca de um boné e um lanche qualquer.

Trata-se de um fenômeno no mínimo intrigante. Afinal, como é possível que o homem escolhido por 60 milhões de pessoas, numa das eleições mais disputadas da história, não seja capaz de mobilizar espontaneamente a outrora comprometida militância petista? Como é possível que o Pai dos Pobres, o Presidente-Operário, o líder máximo, honorário e eterno do Partido dos Trabalhadores não consiga reunir multidões de, well, pobres operários trabalhadores em suas andanças pelo país?

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E, já que estou no embalo de fazer perguntas, aqui vai mais uma: como explicar a um leitor que (compreensivelmente) flerta com soluções autoritárias as mais diversas, isto é, que está em crise com a democracia, que o apregoado “governo do povo, para o povo e pelo povo” é exercido por um homem distante... do povo? Tem algo de errado aí. Ou eu estou enlouquecendo - o que também é sempre uma possibilidade.

Como explicar a um leitor que o apregoado “governo do povo, para o povo e pelo povo” é exercido por um homem distante... do povo?

Por outro lado, o Brasil tem um ex-presidente inelegível que, numa quarta-feira qualquer, consegue reunir algumas centenas de pessoas dispostas a enfrentar o calorão de São Sebastião (SP) para demonstrar apoio. E, já que estamos aqui mesmo, para zombar da perseguição a Bolsonaro, acusado pelo Ministério Público de “importunar intencionalmente” uma baleia. Não adianta tapar o sol com a peneira: mesmo fora do páreo, Bolsonaro ainda desperta o entusiasmo de muita gente. De muito povo, e não de intelectuais, sindicalistas e funcionários públicos. Como é possível?

Para alguns, a resposta para esse dilema passa por tramas complexas que envolvem torradeiras mal-intencionadas e algoritmos intrincadíssimos. Eu, porém, prefiro usar minha imaginação para fins mais nobres. Por isso vou me restringir a fazer um alerta: quem quer que tenha colocado Lula na Presidência, por quaisquer que tenham sido os meios, precisa estar atento a essa discrepância entre a popularidade e o poder do fantoche de Garanhuns. Porque está ficando feio e eu mesmo já notei que a justificativa de que as redes sociais distorcem a nossa percepção da realidade não cola. Não tanto. Não mais.

Percepção. Taí uma palavrinha que, venho dizendo há tempos, deveria ter sido levada mais a sério pelas autoridades eleitorais – aquelas que cuidam da faceta mais visível da democracia. Porque é disso que se trata o poder respeitado e admirado por ser legítimo: percepção. Percepção de que o Estado vale a pena ser defendido. Ou percepção de que ele deve ser refundado. Percepção de que os governantes buscam o bem comum. Ou percepção de que não buscam. Percepção da honestidade. Ou percepção da corrupção. Percepção da retidão de intenção. Ou percepção de que o governante busca apenas o que é conveniente para ele, para o partido e para seus amigos bilionários.

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Para o homem comum, naturalmente ressabiado dos poderosos que ele conhece de outros carnavais e cujas estripulias ele acompanha por telejornais cada vez mais desacreditados, uma vez instalada a desconfiança é difícil revertê-la. Por mais campanhas publicitárias que insistam no mito da democracia inabalada. Por mais que se criem leis nos obrigando a acreditar no que dizem os ministros do TSE. Aí a saída é impor a democracia. O que é um disfarce clássico para uma ditadura.