Caro leitor,
Vou te contar. Não é fácil essa minha vida de observador. Porque tem horas, dias, semanas em que eu preferia não ter observado muitas das coisas que observei. Que, por dever profissional, me dispus a observar com o fascínio melancólico de quem testemunha a decadência que o cerca. A hipocrisia tomou conta do país. A mentira. A dissimulação. O teatro que transformou a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul num desfile de trombetas que anunciam a perversidade falsamente virtuosa de Lula, Paulo Pimenta, Janja, Eduardo Leite, Luciano Huck e tutti quanti.
O fato é que vi e concluí: se o propósito da catástrofe era ensinar algo a um povo viciado em se indignar e a uma geração embriagada de hedonismo, ela fracassou miseravelmente. Ou melhor, nós é que fracassamos, incapazes que somos de trocar o prazer confortável da indignação estéril, ou o exercício do poder pelo poder, por algo verdadeiramente bom: a solidariedade desinteressada que é uma das expressões do amor divino.
Vi, por exemplo, Lula fazer política sobre 150 cadáveres e sobre os escombros daquilo que um dia foi o lar e o sustento de centenas de milhares de gaúchos. Não é novidade, você diz e eu concordo. Lula está acostumado a fazer política sobre caixões Nesse caso, porém, o que chama a atenção é a disposição de tantos em admirarem a maldade que se traveste de consolo ou amabilidade.
Amor teatral não é amor. É a instrumentalização da vulnerabilidade para fins políticos. É coisa de quem já não se considera mais um ser humano. Ou, por outra, é coisa de quem considera que os problemas do cidadão comum, do pobre mortal, não lhe dizem respeito, porque ele se sente acima dos demais. De nós, claro. Do Congresso. Da Constituição. Se duvidar, até de Deus. Afinal, não foi ele quem, na prática, nomeou Paulo Pimenta interventor no Rio Grande do Sul?
O Lula presidente concorda com o Lula às vésperas de ser preso e hoje é uma ideia. Uma ideia com consequências nefastas, mas ainda assim uma ideia. E pelo mesmo caminho vai a digníssima esposa dele, prestes a deixar de ser o que é para se transformar numa ideia de deslumbramento e hipocrisia. Ela que semana passada estava quase que literalmente dando bom dia para o cavalo Caramelo e nesta semana...
Nesta semana Janja incluiu no deprimente anedotário nacional duas imagens que são o puro purê da hipocrisia. Na primeira, ela se deixou fotografar no avião presidencial, cercada por cestas básicas destinadas aos flagelados pelas inundações. Detalhe: cada uma das cestas básicas viajou com o cinto de segurança devidamente afivelado. A salvo, portanto, de qualquer turbulência. Um autor mais inspirado era até capaz de imaginar o serviço de bordo ou o capitão avisando que atingiram a altitude de cruzeiro.
Enquanto eu digeria essa imagem, eis que me apareceu outra, agora em movimento. No filmete, vê-se Janja em primeiro plano, toda “elegante” sob o céu azul de quase-inverno, assistindo a um cordão humano que tira doações de um helicóptero para depositá-las ali perto. O vídeo parece publicidade porque publicidade é. Assim como é publicidade toda a Lula & Janja RS Flood Tour 2024.
Diante disso tudo (e eu nem falei do apresentador de TV ou do âncora de telejornal), fico me perguntando se tem alguém disposto a comprar esse heroísmo de ocasião, essa solidariedade de teleprompter, essa ajuda cenográfica, essa lágrima técnica que escorre das fuças sem-vergonhas das nossas autoridades e celebridades. Ora, mas que dúvida estúpida, a minha. Sempre tem, né? Sempre tem pessoas dispostas a se submeterem. Porque a liberdade gera angústia. Mas isso é assunto para outro texto. Outra carta, talvez.
Um abraço do
Paulo.
P.S.: A Dona Marlene manda agradecer a todos que a parabenizaram pelo Dia das Mães.
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