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Coube a mim a tarefa de ciceronear os alienígenas que por aqui aportaram depois de uma recepção nada auspiciosa no Hemisfério Norte. Ainda tentei argumentar que estava sem tempo, que tinha que gravar o vídeo e escrever a crônica. Mas não deu. Por algum motivo fui escolhido para a tarefa e cá estou esperando a porta do disco-voador se abrir.
Dela emerge o alienígena. Desculpe. Senhor alienígena. Eu vou ter que subir essa rampa? Lá vou eu, pois, e arrasto meu corpanzil sobrepesado até o ET. Que me cumprimenta com a mão mole. Mau sinal. Me apresento e ele se apresenta e já engato uma conversinha de elevador e quando dou por mim estamos nos entendendo numa mistura de português, espanhol e inglês. Ele me fala de Andrômeda e faz fofoca sobre tudo o que acontece no cometa Halley quando ele está longe da Terra. Eu falo do barreado, das araucárias e da Ópera de Arame.
“Agora chega de papo e me leve ao seu líder!”, ordena o alienígena, cujo nome não gravei e por isso vou chamar só de Alienígena mesmo. Espero que ele não se ofenda. Minoria, sabe como é. “Você quer dizer líder político, né, seu Alien?”, esclareço, cheio de intimidade. Ele balança afirmativamente aquilo que parece a cabeça, embora talvez não seja. “Tudo bem, posso levá-lo ao nosso líder. Líder político, já que o líder de verdade não é deste mundo. Só tem um probleminha”, digo. E fico esperando ele perguntar “o quê?” só para fazer suspense.
“Que probleminha, rapá?”, pergunta finalmente o Alienígena. O sotaque chama minha atenção e ele explica que, antes da invasão, teve aulas de malandragem e malemolência com um carioca abduzido por engano. “Pois então, seu Alien. O problema é que eu não sei quem é nosso líder político. Não sei quem você quer conhecer”, digo. Ele responde que não quer conhecer, e sim "subjugar o terráqueo que manda nesta joça”. Penso que o carioca abduzido devia ser muito do mal-educado.
Peço calma, tiro o celular do bolso, procuro aquela foto do Lula mostrando a língua e explico que esse é o nosso presidente atual. “Imperador?”, pergunta o Alienígena. “Não. Pre-si-den-te”, digo, por algum motivo achando que escandir as sílabas fará alguma diferença. “Só que metade do país não gosta dele. E também há certa dúvida ainda quanto à legitimidade dele. Para falar a verdade, não tenho certeza se ele é, para usar suas palavras, o terráqueo que manda nessa joça. Enfim, é complicado”, explico. Ou melhor, confundo.
“E o outro?”, pergunta o Alienígena. Demoro um pouco para encontrar a imagem perfeita: um Alexandre de Moraes todo imperial, com a toga esvoaçante. Quase místico. Ao ver a imagem, o Alienígena ri, tira o celular da minha mão e volta para dentro do disco-voador. Ouço mais risadas. Quando o Alienígena volta, vou logo dizendo: “Tá maluco, cara?! Não pode rir do Alexandre de Moraes assim, não! Senão ele me prende, te prende, apreende essa nave bonitona aí, te cobra uma multa milionária e ainda inclui você e os seus amigos no inquérito do fim do mundo!”. O Alienígena parece refletir, mas logo irrompe em gargalhadas novamente. Só estava segurando o riso, o safado.
“Então esse tal de Alexandre de Moraes. Ele é o seu líder?”, pergunta o Alienígena. A essa altura eu já começo a me perguntar como um ser tão burro pode ter desenvolvido uma tecnologia tão avançada como a das viagens interplanetárias. Mas quero acabar logo com isso e respondo que não. Que Alexandre de Moraes é só um ministro do STF que pensa que é rei e age como rei, mas não é rei. Nem presidente. Nem imperador. Nem nada. E encerro com meu clássico “enfim, é complicado”.
Guardo o celular no bolso porque não sei o que mais o carioca ensinou aos ETS e, enquanto a criatura pensa, fico me perguntando se deveria dar ao Alienígena informações mais específicas. Um passou um tempo na prisão e o outro está nessa de matar a democracia para salvar a democracia. Mas aí eu teria que explicar o que é democracia e não dá. Um vive flambado na cachaça e o outro está sempre com a boca cheia de lagosta. Um é mitômano e o outro é um sofista. Um quer ser ditador do Brasil e o outro também. Etc.
Perdido nessas reflexões à toa, levo um susto quando o Alienígena solta um “já sei!” – e não diz mais nada. E se esse alienígena acha que eu vou perguntar, está muito enganado. Ficamos ali os dois, parados e num silêncio constrangedor. Um homem e um ET. Pelo visto, cabe a mim perguntar se já posso ir embora, senão a crônica não termina. É o que faço. (Eu morrendo de sede e os caras nem para oferecerem uma cervejinha, pô!). Com um gesto ríspido e sem agradecer (ah, o carioca abduzido!) nem me pegar um cafezinho, o Alienígena me dispensa e volta para dentro da nave. Que, voando à velocidade da luz, pelos meus cálculos deve estar pousando em Brasília... agora mesmo.