Na luta contra as incansáveis forças do comunismo, a gente muitas vezes se esquece de apontar e corrigir as falhas do capitalismo. Tem gente, veja só, que até acredita que o capitalismo é perfeito e que seria ainda mais perfeito se todos fôssemos absolutamente livres para “saciarmos nossos autointeresses”, para usar um termo caro aos libertários. Bom, o caso Luva de Pedreiro, o instragramer e tiktoker aparentemente explorado por um empresário que agora se diz vítima de “discurso de ódio”, mostra que, sem uma base moral, o capitalismo pode ser danoso e o que parece bênção se torna rapidamente maldição.
Mas, repetindo, na luta contra o comunismo, uma luta importante e que precisa ser travada todos os dias, acabamos por fechar os olhos para os muitos problemas do capitalismo – sobretudo como ele se apresenta hoje em dia, isto é, um capitalismo monopolista extremamente maquiavélico e que é capaz de passar por cima de valores caríssimos, como o da própria liberdade. Tudo para alcançar os tais autointeresses de que falam Mises e Ayn Rand.
Luva de Pedreiro (me corrigem aqui e dizem que o certo é “Predeiro”) ilustra bem essa amoralidade à qual muitas vezes nos apegamos em troca de mais e mais e mais crescimento econômico - um fim em si. Por um lado, a tecnologia, a ambição e até mesmo o ócio proporcionados pela superabundância capitalista permitiram que um menino pobre do interior de Pernambuco se tornasse um fenômeno, com mais de 33 milhões de seguidores no Instagram e Tik Tok – o que lhe garantiria uma renda de astro do futebol, mesmo que ele não lote estádios por aí. Por outro, o público e os próprios envolvidos percebem que lhes falta algo de intangível para lidar com essa dádiva.
Luva de Pedreiro, repare, existe para saciar uma demanda difícil de identificar. E é justamente por isso que ele vale milhões. Numa reflexão rápida, diria que o personagem entretém os entediados com uma mistura de simplicidade e deslumbramento, e ao mesmo tempo satisfaz nosso apetite por histórias que parecem milagrosas – talvez porque sejam mesmo. Seja lá qual for a lógica por trás da “arte” do menino, o fato é que ele se deparou com uma mina de diamantes. Para logo em seguida descobrir, se é que descobriu, que as pedras preciosas precisam de um mínimo de lapidação.
Capitalistas malvados
Ao menino, pois, faltava uma base que, antes de ser intelectual, é moral. Na verdade uma coisa está atrelada a outra e fazer essa distinção é um erro a que somos induzidos por décadas e décadas de doutrinação – e pelo qual peço desculpas. Ao menino, contudo e pois, faltava uma base moral que permitisse que ele se relacionasse de uma forma saudável com problemas inerentes à fama repentina, como a vaidade, a soberba e a ambição. Sem a prudência necessária, e suponho que encantado com a possibilidade muito real de sair rapidamente da pobreza, Luva de Predeiro acabou vítima de malvados capitalistas que por acaso também eram capitalistas malvados.
Sim, eles existem! E aí está minha maior discordância com o libertarianismo, que parece acreditar numa nobreza inerente aos tais autointeresses. Como se a liberdade para ser totalmente egoísta, por mágica, despertasse o melhor dos seres humanos. Balela. Não à toa, histórias de empresários inescrupulosos que se aproveitaram de “gênios ingênuos” são comuns. O que dizer, então, de pais inescrupulosos como o de tantos atores mirins que depois viveram vidas para lá de desgraçadas?
Voltando ao caso de Iran Santana Alves, o Luva, vale notar que não há nada que o Estado pudesse fazer para “salvá-lo”. Pelo contrário, reside aí até um paradoxo: se o influencer fosse um desses cidadãos “redimidos pelo Estado”, isto é, se o Estado tivesse lhe ensinado o beabá e a ambicionar carreiras burocraticamente dignas e elevadas, ele não existiria como o fenômeno que é. Luva de Pedreiro é uma consequência da liberdade, inclusive a liberdade para se consumir, por horas e horas, gols em campinhos de terra, misturados a bordões e palavrões, e cobertos por uma euforia simplória, expressa num idioma próprio que eu, sinceramente, não entendo.
Trata-se de uma relação conturbada, essa do homem com a riqueza inesperada e com os chacais que dela querem um naco. É assim desde os primórdios. Pense nas histórias dos garimpeiros nos Estados Unidos do século XIX, por exemplo. Ou, trazendo o caso para o nosso quintal, pense nos homens que se empilhavam em Serra Pelada. Não há mito de Ícaro o suficiente para tanto sonho e queda. E, no entanto, insistimos em buscar a riqueza pela riqueza porque acreditamos que o dinheiro nos garante algum tipo de imortalidade e a fama nos torna de alguma forma relevantes para o Universo.
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