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Polzonoff

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"Para nós, há apenas o tentar. O resto não é da nossa conta". TS Eliot.

Manifesto “Estamos Juntos”: como a esquerda usa palavras vazias e o sentimentalismo para seduzir

O recém-lançado movimento "Estamos Juntos" quer convencê-lo de que a esquerda esclarecida é a verdadeira "maioria democrática". (Foto: Reprodução)

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Em mais uma tentativa desesperada e anacrônica de fazer prevalecer a visão de mundo derrotada nas urnas nas eleições de 2018, a esquerda brasileira acaba de lançar o movimento “Estamos Juntos”. Pelo texto do manifesto, o leitor pode ter a impressão de que se trata de um esforço conjunto para “fazer um Brasil que nos traga de volta a alegria e o orgulho de ser brasileiro”. Mas é só uma iniciativa que pretende dar uma rasteira na democracia, essa incompreendida.

Vale a pena analisar o texto do manifesto em que se baseia o movimento. Afinal, as palavras, todas elas milimetricamente medidas para passar a impressão de que se trata de um grupo que está acima das pretensões político-partidárias, revelam muito da forma como pensa a esquerda esclarecida e iluminada, a mesma que acha que o povo não soube votar.

O manifesto “Estamos juntos” começa apresentando os signatários e suas intenções. “Somos cidadãs, cidadãos, empresas, organizações e instituições brasileiras e fazemos parte da maioria que defende a vida, a liberdade e a democracia”, diz o texto. E aqui o leitor já deve ter percebido que a ordem das palavras importa, por isso “cidadãs” vem antes de “cidadãos”. A segunda oração da frase é de uma obviedade quase infantil em sua intenção de seduzir e de criar identificação com quem lê. Afinal, quem seria louco de se dizer contra a vida, a liberdade e a democracia, não é mesmo?

Aliás, ser “a favor da vida” é um termo que a esquerda ainda não conseguiu assimilar direito. Porque somente um desconhecimento crônico é capaz de explicar como pessoas possam se dizer a favor da vida quando lhes convém para, logo em seguida, defender uma causa muito cara a essa esquerda dita esclarecida e iluminada, o aborto.

O segundo parágrafo do manifesto começa com uma distorção da realidade que é sintomática de uma esquerda incapaz de sair da sua bolha. “Somos a maioria”, diz o texto que, logo em seguida, não resiste ao discurso autoritário ao exigir que “nossos representantes e lideranças políticas exerçam com afinco e dignidade seu papel diante da devastadora crise sanitária, política e econômica que atravessa o país”.

Este parágrafo (e o texto todo é escrito naquele estilo telegráfico que esconde a ojeriza pelas conjunções e, consequentemente, pelo encadeamento de ideias) merece uma análise mais detida. Ao se dizer maioria, por exemplo, é como se o grupo se dissesse portador do poder de tomada de decisões – o que vai contra a realidade manifestada nas eleições de 2018. Nada menos democrático do que essa contestação míope da realidade.

É, portanto, na condição de uma maioria que só existe na fantasia deles que os signatários exigem algo dos nossos representantes e lideranças políticas. O quê?! Que eles “exerçam com afinco e dignidade seu papel”. Aqui novamente as palavras traem quem quer que tenha redigido o texto, porque “afinco” pressupõe uma conduta firme. Quanto à ideia de dignidade, o termo é subjetivo demais e só faz sentido para aqueles que acham que o papel atual das lideranças políticas não está sendo exercido com a tal dignidade. Ou decoro – palavra que está sempre na boca de quem se escandaliza com o atual ocupante do Palácio do Planalto.

No parágrafo seguinte, o texto prossegue com “somos a maioria de brasileiras e brasileiros”. Sim, de novo a ideia de se tratar de uma ideologia majoritária. Maioria segundo quem? Ou será que o grupo baseia essa informação na ideia de que, levando em consideração as abstenções, os idosos e os menores de 16 anos, o presidente Jair Bolsonaro foi eleito por uma minoria?

O mesmo parágrafo termina com um trecho irônico, em que a esquerda esclarecida e iluminada usa uma linguagem que a aproxima da direita nacionalista, aquela mesmo que há não muito tempo dizia defender uma “arte heroica”, ao “clamar” para que políticos unam a Pátria (eles escrevem com letra minúscula) e resgatem “nossa identidade como nação”.

Mais um parágrafo e o texto volta a insistir na... fake news de que a vontade da esquerda esclarecida e iluminada é a vontade da maioria da população. “Somos mais de dois terços da população do Brasil”, diz o manifesto, para pedir que partidos, líderes e candidatos “deixem de lado projetos individuais de poder em favor de um projeto comum de país”.

Aí começa a parte mais cínica do texto: “Somos muitos, estamos juntos, e formamos uma frente ampla e diversa, suprapartidária”. Qualquer pessoa com um mínimo de experiência em política atenta para lugares-comuns como “frente ampla e diversa” e, principalmente “suprapartidária” – termo que, em geral, expressa exatamente o contrário do que diz sua definição dicionarizada.

E, aqui, novamente a esquerda esclarecida e iluminada se revela por completo ao dizer que “valoriza a política e trabalha para que a sociedade responda de maneira mais madura, consciente e eficaz aos crimes e desmandos de qualquer governo”. Ou seja, a sociedade atual não é “madura e consciente” o bastante – o que é uma opinião até aceitável, mas que demonstra que os signatários olham para a sociedade sempre de um ponto moralmente privilegiado. Sempre do alto de sua torre de marfim.

“Como aconteceu no movimento Diretas Já”, continua o texto, “é hora de deixar de lado velhas disputas em busca do bem comum”. A referência ao movimento Diretas Já não faz nenhum sentido. A não ser que – eureca! – os signatários pressuponham que estamos vivendo uma ditadura. E qual seria esse bem comum que deveríamos buscar?

Até aqui, repare, o manifesto se atém à tentativa de se definir como “maioria”, o que lhe conferiria legitimidade para interferir nas tomadas de decisões da “minoria” – ainda que essa “minoria” tenha sido eleita pela maioria dos votos em eleições democráticas.

O parágrafo continua. “Esquerda, centro e direita unidos para defender a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia”.

Esse trecho é uma mixórdia de valores e, sinceramente, uma mentira em vários níveis. A esquerda de Guilherme Boulos, um dos signatários (claro!) do manifesto, defende a lei e a ordem? A esquerda do Mensalão e Petrolão defende a ética? E a que verdade estamos fazendo referência aqui? À verdade de que o impeachment de Dilma Rousseff não foi golpe ou à verdade de Petra Costa (outra signatária do documento) de que o impeachment foi gópi?

“Defendemos um país mais desenvolvido, mais feliz e mais justo”, diz o texto logo adiante, caindo novamente em contradição. Porque a disputa política sadia é justamente a disputa pelo melhor caminho a fim de se alcançar o desenvolvimento e a felicidade. E há caminhos que são simplesmente antagônicos, como o capitalismo e o socialismo. Como, então, esse manifesto poderia reunir pessoas que buscam um bem comum se o bem que eles buscam é necessariamente diferente?

Uma tentativa de explicar isso talvez esteja no parágrafo seguinte. “Temos ideias e opiniões diferentes, mas comungamos dos mesmos princípios éticos e democráticos”, diz o texto. As palavras assim todas juntas parecem querer dizer algo lindo e elevado, quando na verdade formam um discurso vazio, que ignora o profundo abismo ético e democrático entre capitalistas e socialistas que agora se dizem “unidos”. Como fica, por exemplo, o princípio ético da propriedade privada? Sem falar no princípio democrático do respeito aos vencedores das eleições que o próprio movimento, ao se dizer maioria, tenta subverter.

O texto termina com um fim apoteótico e simbólico do sentimentalismo vazio que norteia a esquerda esclarecida e iluminada. “Queremos combater o ódio e a apatia com afeto, informação, união e esperança. Vamos juntos sonhar e fazer um Brasil que nos traga de volta a alegria e o orgulho de ser brasileiro”, lê-se. Aqui o manifesto parece transbordar de virtude politicamente correta, quando, na verdade, se aproxima do discurso de certo presidente norte-americano que prega que os Estados Unidos se tornem grandes novamente.

Por fim, e apesar de se dizer um movimento de união da “maioria” de esquerda, centro e direita, entre os signatários estão apenas pessoas identificadas com a esquerda ou centro-esquerda. São artistas, acadêmicos, políticos e gente ligada aos movimentos sociais, que tentam seduzir o público com palavras vazias e sentimentalismo em torno de uma causa que nada tem de democrática: derrubar o governo eleito e fazer prevalecer os valores dessa eterna minoria esclarecida e iluminada.

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