Informações dão conta de que Marcelinho Carioca foi sequestrado. O ex-jogador foi visto pela última vez numa festa em Itaquera, bairro que não sei direito onde fica, mas sei que fica longe, pelo que me contam os amigos paulistanos. O carro do ex-pé-de-anjo foi encontrado em Itaquaquecetuba, que em tupi-guarani significa rio com muitos patos. Ou não. Um resgate de R$30 mil teria sido pedido. Não sei se esse valor é pouco ou muito hoje em dia.
Enquanto muitos rezam para que Marcelinho Carioca seja solto o mais rápido possível, outros tantos discutem o estado lamentável da segurança pública no Brasil. “A coisa tá feia”, dizem, balançando a cabeça de um lado para o outro. Alguns bufam. Outros dão de ombros, não tô nem aí – mas é puro fingimento. Há quem cite estatísticas alarmantes. Há quem conte que viu um assalto agora mesmo, ali na esquina, acredita? Ouvi alguém falar em se mudar de país? Ah, desculpe. Me enganei. É que esse não é meu ouvido bom.
Enquanto ninguém aparece com mais estatísticas e diagnósticos óbvios e soluções mágicas de especialistas do PSOL, aproveito para dizer que Marcelinho Carioca me lembra um tempo em que cuspir na cara de outra pessoa era errado. Mesmo que a outra pessoa seja petista ou, pior, um juiz... de futebol! De futebol! Mas não vou poder me alongar demais nessa digressão porque, peraí, chegou o dr. Gumercindo Paranhos Figueroa para dizer que “a criminalidade saiu do controle”. Sério? Nem tinha percebido.
Quarto parágrafo e nenhuma novidade. Nada do Marcelinho Carioca ainda. E, acredite, estou torcendo para ele aparecer, porque senão daqui a pouco me ponho a falar sobre as bases morais da violência ou, pior!, sobre os valores deturpados dos ludopedistas. E todo mundo sabe o que acontece quando escrevo “ludopedistas”, né? Acertou quem disse que um anjo ganha asas, porque assim tenho uma desculpa para sugerir que você assista hoje mesmo ao filme “A Felicidade Não Se Compra”.
“(...) O capitalismo, o consumismo, o racismo...”, continua falando o especialista enquanto este texto pega um ligeiro atalho. “Entram num bar”, completo mentalmente. Mas o restante da piada não me ocorre.
Circulando, circulando
E eis que não era nada disso. Ufa. A segurança pública, portanto, já pode ficar tranquila e voltar ao seu estado eternamente lamentável. Foi só um susto. Depois de horas de tensão que deixaram todo o país em alerta máximo, alguém viu o Marcelinho?, alguém viu o Marcelinho?, que Marcelinho, o Paulista?, o Pernambucano?, o Capixaba?, não, o Carioca!, ah, tá, o ex-jogador apareceu de olho roxo e expressão sinceramente compungida num vídeo divulgado pelas redes sociais.
Foi sequestro, mas não do tipo causado pela pobreza, falta de oportunidades, capitalismo opressor, o homem é o lobo do homem ou o homem é produto do meio – como explicavam os especialistas, todos muitíssimos preocupados com a segurança pública deste país, apenas alguns parágrafos acima. Foi sequestro do tipo misógino, machista, monogâmico, tradicional, patriarcal e reacionário – como vão dizer os especialistas, todos muitos preocupados com todas essas coisas a partir de agora.
Isso mesmo! Marcelinho Carioca foi supostamente sequestrado pelo marido da mulher evidentemente casada (dã) com quem o ex-cuspidor se envolveu durante aquela festa. Aquela lá de Itaquera, já se esqueceu? E agora todo mundo vai discutir o gesto evidentemente criminoso do marido – e uns vão defender e outros vão atacar. Assim que o assunto se esgotar, falarão da mulher e da importância da Lei Maria da Penha e do machismo estrutural e o que mais for possível se extrair politicamente desse bagaço.
Por fim, alguém falará do casamento, da importância do casamento. E de fidelidade e de pecado. Talvez alguém fale até mesmo em responsabilidade e nas consequências dos nossos atos. Mas quando chegar essa hora ninguém mais estará prestando atenção, porque já terá surgido outro assunto para nos deixar ou apreensivos ou com raiva. E para dar voz a algum especialista que aproveitará a notoriedade repentina para transformar o mundo – como lhe ensinou aquele professor de história do ensino médio. Aquele que, já disse alguém, sequestrou o país e o prendeu à algema do sentimentalismo.
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