Carnaval, segunda-feira. Depois de uma conversa com meus colegas Cristina Graeml, Flávio Gordon e Paula Marisa, me sento para escrever paródias de marchinhas de carnaval adaptadas ao nosso tempo. Mas cadê a inspiração? Meia hora, um pacote de confete e muitas serpentinas mais tarde, reconheço a derrota. Vai ver é porque marchinhas de carnaval não combinam com o friozinho e a chuva do carnaval curitibano.
Boto Dolores Duran para tocar, me acomodo da cadeira de balanço e pego na estante o livro de memórias de Jorge Amado, “Navegação de Cabotagem”. Que livraço! Não pelo estilo sempre sofrível do escritor baiano e mais pelas muitas histórias interessantes de alguém que viveu intensamente o tumultuado século XX. Lá pelas tantas, por algum motivo, Jorge Amado menciona Gregório de Matos e eu tenho um princípio de ideia.
É uma faísca que não vai adiante. Penso em Gregório de Matos e nos poemas cabeludos que ele escreveria nos dias de hoje. Daí penso na reação de um Alexandre de Moraes colonial diante de um dos poemas satíricos do Boca do Inferno. Não seria muito diferente do que o poeta enfrentou naquele tempo. A única diferença é que ninguém usava a democracia como desculpa.
A consequência lógica desses pensamentos carnavalescos é eu mesmo tentar escrever um soneto satírico sobre Sua Calvíssima, o ministro. Mas me falta talento. Cogito ligar para meu amigo João Filho, mas ele é baiano e é carnaval e... junte os pontos. Aí por vias tortas me lembro que existe esse tal de ChatGPT, que querem me convencer que se trata de uma inteligência artificial. Sei não.
Contra minha intuição, lá vou eu “dialogar com demônios”. Peço ao robozinho que escreva um soneto satírico sobre Alexandre de Moraes, ao estilo Gregório de Matos. O que ele me responde é surpreendentemente bom, embora não chegue perto da verve do Boca de Brasa. Começa assim o soneto que não vou reproduzir na íntegra porque já esgotei minha quota anual de poesia neste espaço.
Que os autos lidos por Moraes são um tédio
Quem pode negar? Um espetáculo vil
Ele se enrola em frases sem enredo
E assim, nos tribunais, se arrasta o Brasil
Ressalva
Mas o que isso tem a ver com as marchinhas de carnaval lá do primeiro parágrafo? É que eu raramente desisto de uma ideia por falta de inspiração. Assim, depois de perder um total de 15 minutos da minha vida fazendo perguntas de duplo sentido para a máquina, eis que tenho a brilhante ideia de pedir a ajuda dela na difícil tarefa de compor versões de marchinhas de carnaval adaptadas aos tempos atuais.
Na primeira tentativa, a surpresa. “Nota: esta resposta é apenas uma brincadeira fictícia e não tem a intenção de ofender ninguém” é o que o ChatGPT me responde. Rio de nervoso. Até os robôs reconhecem as suscetibilidades, o autoritarismo e a irrazoabilidade do magistrado. E não querem arriscar. Vai que o STF decide confiná-los numa Papuda virtual para máquinas subversivas. Ou melhor, terroristas. À ressalva seguem-se versos tão ruins que não convém reproduzir.
Mudo de ideia e os reproduzo mesmo assim. “É a marchinha do Alexandre/ Que vai fazer você sambar/ Com a toga e a lei na mão/ Ele é o nosso protetor// Se tem fake news por aí/ Ele logo vem cortando/ Com a Constituição na mão/ Ele tá sempre lutando”, diz a letra da marchinha sem graça. Ou melhor, marchinha a favor. Marchinha puxa-saco. Só mesmo uma burrice artificial para compor algo do tipo.
Está tarde. Fecho o computador e, cinco minutos depois de pôr a cabeça no travesseiro, eis que me ocorre uma versão capenga da proibida “Olha a Cabeleira do Zezé” adaptada ao contexto atual. Não é nenhuma obra-prima, reconheço. Mas é o que temos para hoje e, no mais, é bom saber que não foi desta vez que a Inspiração me trocou por um amor de carnaval qualquer.
O ministro diz “Perdeu, mané!”
Será que ele é?
Será que ele é?
Será que em lei ele inova?
Será que decide o que quer?
Arrogante demasiado
Mas isso eu já sei que ele é.
Um adendo
Fiz outras experiências com o ChatGPT e, só para deixar registrado, é assustador como a Burrice Artificial foi programada para tratar Alexandre de Moraes como um “censor do bem” que usa o poder da toga para fazer cumprir a lei e a Constituição. Fico me perguntando se é mesmo assim que o ministro entrará para a história. Se eles conseguirão mesmo impor essa versão alternativa da realidade.
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