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Ao ver a ministra Marina Silva culpando as mudanças climáticas e “a sociedade” pelo fogo que consome o Pantanal, enquanto no outro governo tudo era sempre culpa do Bolsonaro, só consegui pensar numa adaptação contemporânea para a célebre frase do Tim Maia. Aquela que dizia que o Brasil jamais daria certo porque aqui traficante se vicia, prostituta se apaixona e pobre vota na direita.
Aqui vai, pois: O Brasil não pode dar certo. Aqui ministro do STF destrói a democracia para salvar a democracia, bilionário vota na esquerda e ministra do Meio Ambiente que quase foi presidente do país, que tem décadas de ambientalismo nas costas e que só existe politicamente porque é vista como A Grande Protetora da Natureza... demonstra não ter nenhum compromisso com a causa e se recusa em expor politicamente o governo. Tudo para poupar Lula.
A frase é ruim, reconheço. A ela faltam concisão, wit e principalmente aquele jeitão canalha do Tim Maia. Mas com alguma sorte a frase servirá ao propósito de chamar a sua atenção para este fenômeno que venho observando há algum tempo, na tentativa de construir uma tese: a de que aos políticos brasileiros falta vocação. E a maior prova disso é a extrema infelicidade com que eles ocupam cargos públicos.
Serve tanto para o vereadorzinho de Olho d’Água Grande (que, segundo o levantamento do Gabriel de Arruda Castro, é a pior cidade do Brasil) quanto para Lula e os ministros do STF (que, segundo eu mesmo, são os piores políticos do Brasil). E, claro, serve para a eternamente frustrada ministra Marina Silva.
Ele existe
Repare. Mas antes me permita confessar que esta minha tese apressada nasceu da observação de uma exceção que confirma a regra. Me refiro a um notório político, cheio de defeitos de político, mas que faz sucesso até mesmo entre seus detratores porque está sempre feliz, rindo uma risada sincera e assim meio infantil e até ridícula, como devem ser as risadas. Observando o sujeito, pensei que ninguém jamais duvidará que um homem desses está fazendo o seu melhor na função que ama. Não vou falar o nome dele, por óbvio, mas ele existe.
Ocupado em ser feliz
Um homem ocupado em ser feliz, verdadeiramente feliz, não faz mal a ninguém. Um homem ocupado em ser feliz não vai cometer injustiças com a justificativa de salvar a democracia. Um homem ocupado em ser feliz não vai roubar nem deixar roubar apenas para que seu partido se perpetue no poder. Um homem ocupado em ser feliz não vai se ocupar de projetos de vingança pessoal. Um homem ocupado em ser feliz não vai se omitir porque sabe que sua felicidade depende da felicidade das pessoas que o cercam.
Imagine
Para não ficarmos apenas na abstração, porém, feche os olhos para imaginar uma Marina Silva feliz, vocacionada e realmente compromissada com a causa ambientalista. Realmente empenhada no objetivo potencialmente nobre de impedir a destruição total da Criação. Realmente empolgada por, poxa!, por ser a ministra do Meio Ambiente do Brasil e realmente poder fazer alguma diferença, nem que seja salvar uma única arvorezinha ou oncinha. Pode abrir os olhos novamente. Percebeu como tudo mudou na personagem. O tom de voz, a postura confiante, a despeito da fragilidade física, o discurso consistente. Até rir essa Marina Silva fantasiosamente feliz riu.
Alegria de marqueteiro
De volta à vida real, pergunto: quando foi a última vez que você viu um político dar uma entrevista com alegria nos olhos? Alegria verdadeira, sincera, infantil e até meio ridícula. Aquela alegria que nada mais é do que a satisfação do dever cumprido – e bem. Enquanto você revira a memória aí, um aviso: cuidado para não confundir a alegria-alegria com a alegria-de-marqueteiro. Nem com aquela alegria perversa e arrogante da sensação (enganosa) de estar por cima da carne seca.
Própria e alheia
Não tem mais político assim, né? O que nos traz de volta a Tim Maia e sua constatação debochada de que o Brasil não pode dar certo. Por isso e por aquilo e principalmente porque, com a desculpa de garantir a felicidade da nação, as elites política, econômica e intelectual estão sempre carrancudas, com os cenhos franzidos num ar de eterna dor, preocupação e medo. Medo de serem desmascaradas a qualquer instante, sim. Mas também medo de descobrirem que isso tudo que buscam em seus intermináveis conluios não tem absolutamente nada a ver com felicidade. Própria e alheia.