Quem pretende fazer política com honestidade tem de estar disposto ao martírio sem sangue de optar pelo certo em vez do conveniente.| Foto: Pixabay
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Hoje meu texto será curto. É o que sempre digo e nunca é. Mas hoje será*. Porque o que tenho a dizer já foi complexo, a ponto de gerar uma crise daquelas. Mas agora acredito que consigo articular com alguma simplicidade e, mais importante, com alguma serenidade.

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Me refiro à relação entre a política e a Verdade. E também à relação entre a política e o plano de santificação no qual acredito. Afinal, é nesse terreno pantanoso e que fede a enxofre que realizo meu trabalho, sobretudo em época de eleição.

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Um pouco burrinho

Depois de muita reflexão e alguns dias de inegável angústia, cheguei a duas conclusões importantes. Uma delas não é nova para o leitor frequente: não estou disposto a flexibilizar a Verdade para agradar ou não desagradar o leitor. Ou, no contexto político atual, o eleitor, o apoiador, o militante. E até os amigos e parentes.

Isso quer dizer que tenho o monopólio da Verdade e que a partir de agora vou começar a analisar o mundo do alto? Claro que não. Até porque tenho medo de altura. Isso quer dizer que, reconhecendo-me falho e imperfeito, dado à ingenuidade intencional e às vezes até um pouco burrinho, vai, estou determinado a buscar o que é certo, e não o que é ou me parece conveniente.

Direita quixotesca

Isso significa não passar pano nem fechar os olhos para as barbaridades cometidas em nome da Grande e Redentora Vitória da direita. Uma direita que nem sei direito o que é, mas que, intuitivamente, me soa cada vez mais semelhante à esquerda. Isto é, uma direita revolucionária, salvacionista, quixotesca e suscetível a personalidades megalomaníacas. Uma direita que não vê problema algum em mentir ou de apelar para a indignação do eleitor a fim de lhe prometer um paraíso ordeiro.

O que nos traz à segunda parte deste texto que prometi que seria curto e já estou descumprindo: voto e apoio deste cronista insignificante que vos fala só terá o político que, em primeiro lugar, reconhecer os méritos do adversário. Afinal, nada mais santo do que ver no outro alguém que também almeja o bem comum, embora tenha uma visão diferente do melhor meio de se promover a paz, a prosperidade e a felicidade.

Martírio branco

Difícil? Muito. Provavelmente é até impossível ver surgir um político assim num cenário eleitoral que aplaude cadeiradas e coisas do gênero. Mas não se transige com a Verdade a fim de se ter uma vitória num pleito. Este é o ponto e, antes que me alongue ainda mais, permita-me mencionar outra característica fundamental desse político próximo do ideal, sem jamais sê-lo: ele tem de ser capaz de reconhecer seus próprios defeitos.

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E mais: tem que ter a coragem de enfrentar a rejeição e a humilhação provenientes desses defeitos. É o tal do martírio sem sangue, ou martírio branco, a que estão sujeitos todos aqueles que optam pela honestidade e por fazer o certo – ainda que isso lhes custe a vitória ou o tão desejado sucesso. Serve para a política, mas não só; serve para todas as atividades humanas, da limpeza de banheiros públicos à criação literária cotidiana.

Mínimo infinitesimal

É pedir demais? É, mas não deveria ser. E, no pouquíssimo, no mínimo infinitesimal que depender de mim, não será. Não mais. Chega de defender o mal que se disfarça de bem para seduzir espíritos sem fé nem esperança, mas ávidos de uma justiça que confundem com vingança.

Um abraço do
Paulo

P.S.

P.S.: * Venho do futuro para dizer que não, não será. Você percebeu, né?
P.P.S.: Mandei esta carta antecipadamente para um amigo e ele: “Diga aí, quais são os méritos do Lula?” Na hora respondi: “Quem se opuser a ele que se vire para encontrar uns méritos”. Mas, pensando bem, deveria ter respondido: “E quem disse que ser um político honesto, sujeito ao martírio sem sangue, seria fácil?”.

[Esta coluna é uma reprodução da carta que chega à caixa postal dos assinantes toda sexta-feira. Se você ainda não se inscreveu, lá em cima, logo depois do primeiro parágrafo, tem um campo para isso].

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