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O raciocínio por trás dessa Filosofia do Mas que contamina algumas redações do país é simples: o Brasil dá sinais de melhora, MAS não gostamos do presidente.
O raciocínio por trás dessa Filosofia do Mas que contamina algumas redações do país é simples: o Brasil dá sinais de melhora, MAS não gostamos do presidente.| Foto: Reprodução

Cientistas encontram a cura do câncer, MAS descoberta causará a demissão de milhares de oncologistas. Aliados vencem os nazistas, MAS reconstrução da Europa custará caro. O Brasil cresceu 2% neste ano, MAS crescimento significa mais poluição. A seleção brasileira conquistou o hexacampeonato, MAS o time é só de homens. Polícia impede que família seja queimada viva, MAS suspeitos são mortos. Anitta anuncia aposentadoria, MAS falta criatividade ao cronista para pensar no lado ruim disso.

A palavra da moda é “mas”. Conjunção adversativa, se não me falha a memória das aulas da professora Olinda. Prima-irmã de Porém, Contudo e Entretanto, a parte mais simplesinha da família, e também das aristocráticas Todavia e Outrossim, sem falar no recluso e excêntrico Conde Não Obstante. O “mas” é prenúncio sempre de uma ressalva - transformada hoje em visão de mundo. Ou melhor, em filosofia de vida: se algo está bom é porque outro algo está ruim. E, se não está, vai piorar.

Aplicada ao cotidiano político do Brasil, a ponto de virar tema de debate e crônica, a conjunção serve para negar a realidade uma notícia boa, dando a palavra final sempre a uma consequência supostamente maligna e perversa, quando não assustadora e pessimista. No fundo, o raciocínio por trás dessa Filosofia do Mas que contamina algumas redações do país é simples: o Brasil dá sinais de melhora, MAS não gostamos do presidente.

Como não poderia deixar de ser, o elemento de oposição “mas” tem sido usado por uma imprensa que não entendeu a famosa frase de Millôr Fernandes, segundo a qual “imprensa é oposição; o resto é armazém de secos e molhados”. Usada à exaustão para justificar um embate interminável e não lá muito virtuoso contra o Estado, o aforismo virou uma espécie de salvo-conduto para a imprensa distorcer a realidade a fim de combater o grande mal representado por Jair Bolsonaro. E quem discordar, já sabe, é passapanista, fascista, reacionário. Aquela coisa toda.

Tenho pensado muito na frase de Millôr Fernandes. Cunhada, aliás, numa época em que imprensa era muito mais poderosa do que hoje e, por isso, mantinha relações muito mais promíscuas com o governo. Um detalhe que muitas vezes escapa a quem repete a frase como mantra da retidão jornalística: as relações promíscuas entre imprensa e governo, implícitas na frase, tinham um caráter muito mais financeiro do que ideológico.

E essa diferença é fundamental para entender por que a imprensa mais ideológica do que intere$$eira de hoje, se insistir na oposição sistemática, irracional e histérica, estará fazendo oposição não ao governo, e sim a seu cliente e razão de ser: o leitor. Afinal, esse tipo de oposição geralmente exige da imprensa que ela ignore a mais básica ética jornalística e tasque o “mas” entre a realidade e o desejo utópico. Dessa forma, ela não só impõe ao leitor sua ideologia como também contribui para reforçar nele o ímpeto revolucionário.

A epidemia de “mas” faz da imprensa, obcecada por se opor a um governo legitimamente eleito, que erra aqui, acerta ali, uma força que parece antagonizar com o próprio país. O “mas” que troveja na manchete é o punhal que sacrifica a realidade para pôr fim à ojeriza estética que o presidente desperta. E, num sentido mais amplo, para impor fantasias utópicas de um mundo perfeito. Ou pior: de um mundo cínico, niilista e sobretudo incorrigível.

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