Entre uma e outra notícia ruim do governo Lula e em meio a uma enxurrada de porquês e paraquês que rondam minha imaginação em entressafra, assisto a uma divertida conversa em que os amigos Carlos de Freitas, Filipe Trielli, Luigi Marnoto e Lucas Honorato discutem a dor. O papo me ganha por não ter vergonha de trocar a chatice dos especialistas pelo bom senso meio caótico (e divertido) dos generalistas.
Já no começo do bate-papo, eles discutem a doxa (ó que chique!) direitista e pseudoconservadora segundo a qual “palavras não machucam”. Essa ideia é muito usada contra as hipersensibilidades contemporâneas, para as quais a dor causada por uma palavra equivale à dor causada por um tiro. Não sei, nunca levei um tiro. Mas deve doer um bocado. O problema é que, no afã de combater a hipersensibilidade com palavras duras, muita gente acaba perdendo mesmo é a sensibilidade para a dor do outro.
Mas a verdade é que, no íntimo, até mesmo os redpilados sabem que palavras ferem, machucam e fazem sofrer, sim. Em alguns casos, chegam a matar. Que as vítimas do poder nocivo das palavras em geral sejam os chamados “floquinho de neve”, que desmaiam ao som de um “criado-mudo” ou “denegrir” é outra história. Uma história que não deve servir como justificativa para a violência e a indiferença diante do sofrimento alheio. Digo, quando se trata de um sofrimento real, e não de uma oportunidade de praticar o esporte preferido do nosso tempo: o vitimismo.
A maior prova do poder das palavras, que às vezes são palmadinha no bumbum do bebê, às vezes chicote e às vezes arma de destruição em massa, é a existência de espaços de debate onde as pessoas exercem desavergonhadamente o sadismo e o masoquismo verbal. Como é bom fazer aquele comentário certeiro contra aquele imbecil, não? Da mesma forma, e no limite do cancelamento, como é bom ganhar a atenção de um hater e depois se fazer de incompreendido! Para isso é que servem as redes sociais.
Dor política
Aí a conversa descamba para esta dor onipresente em nosso tempo: a dor política. Essa dor que hoje em dia acomete sobretudo aqueles que se identificam como direitistas, conservadores, liberais ou bolsonaristas. Uma dor cuja intensidade a gente consegue medir simplesmente perguntando à pessoa se ela se sente derrotada nas urnas ou enganada pelo Sistema.
Mas será que essa dor política não existe apenas porque ela nos é útil para anestesiarmos dores mais importantes e que, por algum motivo, preferimos esconder debaixo do tapete da alma? Essa é uma reflexão dura, mas necessária. Será que não usamos o medo de nos transformamos numa Venezuela, diante do qual somos minúsculos e impotentes, por que ele é preferível à dor de encararmos nossos defeitos privados, aqueles diante dos quais podemos agir?
Se você parar para pensar, a indignação constante é um reflexo desse nosso vício em conforto, em facilidades e na superabundância de todas as coisas – inclusive das virtudes políticas, por mais falsas que elas sejam. Daí porque precisamos de um Merthiolate daqueles de antigamente, que às vezes doíam mais do que o ferimento.
O melhor remédio para tratar a dor política é... (calma, não vai doer nada... se você não parar de se mexer vou te dar umas palmadas!... quem mandou cair da bicicleta?... não, esse aqui é daquele que não dói... assopra!... assopra que a dor passa...) enxergar o outro que está bem próximo de nós. E, por consequência, a dor do outro. O sofrimento real do outro. Aquele que não passa na televisão nem é digno de comentários de analistas políticos.
É cuidar dos amigos viciados em indignação política, que responsabilizam o adversário ideológico por todos os seus fracassos pessoais. É cuidar das pessoas que nos cercam e que estão pedindo ajuda, mesmo que veladamente. É cuidar de nós mesmos, com uma boa dose de generosidade, mas sem cair no egoísmo que acaba nos igualando ao que há de pior no nosso adversário. É instruir os filhos para que eles abandonem o vício no conforto e busquem a grandeza – parafraseando Bento XVI.
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