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Falar de Sergio Moro é sempre complicado. Se a análise é de alguma forma elogiosa, vão dizer que sou lavajatista. Se a análise é crítica, vão dizer que sou bolsonarista ou petista. E se a análise não for nem uma coisa nem outra, dirão que sou isentão. Confesso que, em outros momentos, me preocuparia com isso. Mas não hoje. Não agora. Porque acabei de assistir ao discurso que praticamente lançou Moro, o Infalível, como candidato à Presidência. E, depois de quase uma hora, dele saí com uma certeza: se há problema, o Moro resolve. (Slogan à venda. Contatos, DM).
Por tudo o que falou em seu discurso de filiação ao Podemos, o ex-juiz e ex-ministro parece ter vestido aquele personagem que enfeitava as praças de algumas cidades no auge da Laja Jato: o Super Moro. Pobreza, saúde pública, educação, meio ambiente, estradas esburacadas, juros e corrupção – não há área de atuação para a qual Moro não tenha uma solução rápida, simples e eficiente. Soluções que estão aí, na boca do povo, e que só não são colocadas em prática por causa dos políticos malvadões.
Em certo momento, por exemplo, e para delírio da galera, Moro diz que vai acabar com o foro privilegiado. Inclusive para o Presidente da República! Lindo, não? Mas como ele pretende fazer isso sem o Congresso? E como ele acha que um presidente conseguiria governar tendo de lidar com milhares de ações nas instâncias inferiores? Não importa. Moro fala o que as pessoas querem ouvir, com a esperança de que elas prestem mais atenção a seus ideais do que à sua voz. Tudo bem. É o papel do político. Mas que também é um pouco decepcionante, ah, isso é.
Se o discurso foi assim montado para viabilizar Moro como alternativa à polarização do “bolsopetismo”, ele falha ao repetir a fórmula que, em grande medida, explica o sucesso de Lula e Bolsonaro: o sebastianismo. Assim como seus adversários, o ex-ministro promete uma educação paradisíaca, usa palavras melífluas como “inovação” e “sociedade inclusiva” e, ao falar da atual política de juros, demonstra uma profunda ignorância quanto às leis que regem o livre mercado.
Me chamou a atenção também o uso (muito hábil, por sinal) do sentimentalismo e do cientificismo para tratar da pandemia e para se posicionar como o antiBolsonaro, fazendo menção aos bons modos, ao decoro, à liturgia do cargo. Noutra ocasião, ao explicar sua passagem pelo gabinete do agora arqui-inimigo, Moro se sai com esta: “Nenhum cargo vale a alma de uma pessoa”. Ora, como o ex-ministro pretende governar 200 milhões de pessoas sem flertar com Fausto? Simone Weil diria que o simples fato de ele se filiar a um partido é uma negociata com a própria alma. Mas tergiverso.
“Eu sempre vou fazer a coisa certa”
Mas, ei! Não quero parecer injusto aqui. Claro que ninguém poderia fazer um discurso pragmático. Imagine se Moro chega lá no palco, nesse teatro cafona que é a política brasileira, e diz que vai fazer o que puder e que, se preciso, fará até acordos com o Centrão, mexerá no Teto de Gastos e usará palavras que sempre sempre sempre desagradarão uma oposição (na qual se inclui parte da imprensa) que tem como único objetivo a destruição do governo. Não daria certo. Política é isso mesmo e, neste sentido, Moro e seu marqueteiro estão com a razão. Política é a arte de vender ilusões. Acredita quem quer.
Dito isso, preciso destacar que, no discurso de Moro, assusta a presença de frases cheias de um personalismo que ora lembra Bolsonaro (“Este filho teu não foge à luta”), ora Lula (“Nunca antes na história do Brasil...”). Ao bajular jornalistas, confesso ainda que Moro caiu um pouquinho no meu conceito. Mas o que me assustou mesmo - e deixo registrado aqui porque temos a péssima mania de ignorarmos certos detalhes reveladores - foi uma frase que Moro deixou para o finalzinho do discurso: “Eu sempre vou fazer a coisa certa”. Uau.
Num discurso que abrangeu praticamente todos os aspectos da existência humana, não dá para deixar de notar a ausência de referências ao Supremo Tribunal Federal. Moro não fez qualquer menção àqueles que, hoje, compõem um importante grupo político e que, embriagados de poder, não têm pudor algum em legislar e interferir no Executivo. Uma pena mais amarga diria até que isso é um sinal claro de submissão àqueles que exercem o poder de fato no Brasil. Mas não, logicamente, a minha pena doce. Dulcíssima.