Chitãozinho, Xororó, Leonardo, Zezé di Camargo e Luciano no show “Amigos”: nada de política. Nada mesmo.| Foto: Divulgação
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Outro dia fui ao show “Amigos”. Durante três horas, Chitãozinho & Xororó, Leonardo e Zezé di Camargo & Luciano seduziram uma plateia composta sobretudo por mulheres no outono da idade – com seus maridos, filhos e netos a tiracolo. Os pontos altos do espetáculo de música sertaneja quase raiz foram o coro interminável de galopeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeira, a versão ortodoxa de “Estrada da Vida”, aquela pela qual vou correndo e não posso parar, a encantadoramente piegas “Fio de Cabelo” e a catarse coletiva de (argh!) “Evidências”.

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Foram três horas durante as quais não se falou nem se pensou em política. Digo, o público. Porque a certa altura o esquisitão aqui sacou o bloquinho do bolso a fim de anotar “Alexandre de Moraes: como é difícil me livrar das garras desse amor gostoso”. Pena eu não ter anotado o que queria dizer com essa relação vaga entre um refrão meloso e um ministro. (Declaro aberta a temporada de caça às conjecturas maliciosas!).

Outra anotação no bloquinho: “filho pródigo”. É que sobretudo a dupla Chitãozinho & Xororó parece ter uma predileção pela parábola e pela ideia redentora de voltar para casa depois de ter desejado vencer lá fora, “no mundo”. Nem que para isso se tenha que comer a lavagem dos porcos. A referência bíblica fica clara em “Saudade da Minha Terra” e “Fogão de Lenha” – essa última uma obra-prima (oh! que exagero!) do saudosismo inocente. E nada de política, de crítica social, de esperanças ideológicas depositadas em Lula ou Bolsonaro. Nada.

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"O poder emana do povo"

O que me leva (a galope, claro) à constatação nada brilhante e de certo modo até repetitiva de que a politização de tudo é um fenômeno recente e indiscutivelmente nocivo, que impede que se contemple a vida em suas minúcias universais: a já mencionada dor de cotovelo, a saudade da comidinha da mamãe, os amores impossíveis, os perdões inalcançáveis, o canto do inhambu-chintã e do xororó. Ou seja, os temas da música sertaneja. A politização de tudo é uma troca nefasta dessa miudeza divina aí pela ilusão de que “todo o poder emana do povo”.

Só que esse oásis de alienação musical (no qual vou incluir o odioso sertanejo universitário) parece estar com os dias contados. De acordo com meu amigo Omar Godoy, o country (isto é, a música sertaneja made in USA) já está carregada de política. Um duvidoso privilégio antes reservado ao rock e sobretudo àquela gente chata do folk. Brincadeirinha. Adoro música folk. Só não tenho certeza se é apesar ou por causa da chatice.

Mais do que um filão mercadológico, me parece que a politização do country é uma reação necessária à imposição da agenda woke – aquela que nem bem acordou, está cheia de remela nos olhos... mas acha que pode mudar o mundo. O problema é que essa reação está se provando também lucrativa. Daí até a moda do sertanejo politizado (ultrapolitizado?) chegar ao Brasil é coisa de dez horas de voo na ponte aérea Houston-Guarulhos.

Falta saber se o sertanejo politizado à brasileira tenderá à esquerda, à direita ou ao que lado que pagar mais. No primeiro caso, a solução vai ser comprar muitos plugues de ouvido, daqueles de silicone, para se proteger de versões agrícolas das músicas de protesto by Chico & Caetano. Ou então de alguma declaração de amorrrrrr à democracia, sô. Ou ainda da história da invasão do “Rancho Fundo” pelo MST.

Agora, se o sertanejo politizado tender à direita, vai ser até engraçado ouvir Gusttavo (é com dois tês mesmo? cê jura?) Lima e Paula Fernandes cantando alguma sofrência sobre um investidor libertário que chora ao ver aprovado mais um imposto. Ou Luan Santana rimando Mises com “tristes” e citando Sowell e puxando o coro obrigatório de “imposto é roubo”. Ou Ana Castela contando a história de amor entre um petista infiltrado e um patriota preso pelo 8/1. Ou coisa assim.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]