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Polzonoff

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"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

O outro

Nem todo comunista era igual a essas porcarias de hoje

COMUNISMO LEITURA
Na guerra cultural insana e burrinha que se trava hoje, é um erro desmerecer as palavras de todos os comunistas do século 20. (Foto: Pixabay)

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Publiquei no Twitter o trecho da carta que Hélio Pellegrino escreveu a Fernando Sabino e que serve de epígrafe para o clássico (pode chamar de clássico?) “O Encontro Marcado”. Para quê! Em pouco tempo, me vi presenteado com a sentença sumária típica do nosso tempo. “Comunista de carteirinha escrevendo isso”, escreveu um zumbi ideológico, desmerecendo as palavras por causa da biografia política do autor.

Pois é. Pellegrino, como tantos do seu tempo, caiu na armadilha de ver o Estado como solução para os problemas inegáveis do capitalismo. Mais precisamente do liberalismo, que de santo não tem nada mesmo. Digo, é óbvio que me oponho à solução marxista e chega até a ser ridículo ter de escrever isso com todas as letras. Mas escrevo. A estupidez da solução, porém, não invalida a crítica a essa mentalidade, a liberal, que é uma máquina niilista de moer almas.

O problema é que o debate público está tão pobre que muita gente é incapaz de entender que nem todo comunista de antigamente era como uma Márcia Tiburi, uma Anitta, um Felipe Neto, um Flávio Dino ou como um desses escritores de literatura engajada de hoje. Havia, nos quadros do Partidão, os psicopatas de sempre, como Luís Carlos Prestes; os imbecis de sempre, como Paulo Freire; e os zés-ninguéns de sempre – que estavam lá para namorar ou curtir a sensação de serem aceitos pelo grupo. Mas havia também pessoas genuinamente preocupadas com o outro.

Se Hélio Pellegrino era desses mais voltados à alma do que à urna, não tenho certeza nem procuração para defendê-lo. Só o conheço de ouvir falar. Mas, pela carta que escreveu ao amigo, e por mais que comunistas se digam ateus, parece que sim. Aliás, em seus melhores momentos, a carta lembra “A Descoberta do Outro”, de Gustavo Corção. Aquele que ninguém seria louco de desmerecer como comunista. Ou será quê?

Mas só agora me dei conta de que falei da carta como se você já a conhecesse, o que não é necessariamente o caso. Então vamos a ela!

A carta

“O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar-se a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece o seu nome”.

Destaques

Quero destacar algumas passagens. E vou. A começar pelo discurso de que “nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio”. Nada poderia ser mais anticomunista do que isso. O que me leva a crer que o comunismo que se professa hoje em dia é coisa do jovem que não se deparou com a solidão da própria alma. E que por isso busca fugir ao destino que nos irmana, isto é, a busca pelo bem comum, escravizando seus semelhantes.

Adiante, Pellegrino fala que encontrar esse outro é “perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade”. O segredo dessa frase absurdamente linda, com aquele superlativo destoante ali no meio, é “utilidade”. Afinal, nas raras ocasiões em que enxergam o outro, é assim que o veem os nossos contemporâneos: como algo útil. Um instrumento. Um meio para um fim. E quem é que gosta de se sentir usado, não é mesmo?

Daí Pellegrino começa a concluir o raciocínio que construiu lá em cima, ao constatar a solidão da juventude, dizendo que a sementinha da sabedoria (mas quem é que a almeja hoje em dia?) está em “perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho (sic) ou pretendamos ganhar o mundo”. Ou seja, começamos a ficar sábios assim que nos damos conta do ridículo das nossas ambições humanas, bem como da nossa divina pequenez.

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