Outro dia eu estava entretido com as previsões catastrofistas do oráculo-cientista com nome de huno quando me dei conta de que faltava um personagem em meio a esse debate para lá de esotérico sobre a pandemia que virou peste e já está até pensando em virar apocalipse: Nostradamus.
O velho Nostra, você sabe, viveu na França do século XVI e escreveu quadras proféticas tão obscuras que podem significar tudo e também nada. Atribui-se a ele a previsão de cataclismos como a erupção do vulcão Krakatoa, guerras e avanços tecnológicos. Até o impeachment de Dilma Rousseff Nostradamus previu na inesquecível “Centúria da Pedalada”. Já a controversa Centúria XXVII, uma das minhas preferidas, prevê o surgimento dos celulares e das redes sociais:
No ar a voz do estranho e sábio vento ecoa
No ouvido do homem que, diante da tela e à toa,
Ao deus pássaro o mantra do ódio diário entoa
[Ilegível] não sei o quê, blá, blá, blá, leitoa.
Mas o tempo passou e os alquimistas d’antanho viraram químicos e farmacêuticos, os unguentos e poções ganharam nomes complicados, como dipirona ou hidroxicloroquina, e os leitores de runas viraram respeitáveis peagadês diante de elaborados e ininteligíveis modelos matemáticos. Neste cenário de muita certeza e objetividade, Nostradamus virou motivo de chacota. E ainda por cima escreve riminha, o coitado!
Não para todos. Ainda há aqueles que, como eu, levam Nostradamus muito a sério e guardam com carinho os três volumes das Obras Completas de Nostradamus (Ed. Sabrina), mesmo que eles estejam manchados de café. O compêndio é uma obra-prima em si, cheio de iluminuras e aquela tipografia gótica feita sob medida para enganar os otários. Mas o melhor mesmo é que as quadras são todas comentadas pelo grande erudito dom Alex de Shoares Sylva, catedrático da renomada Universidade de Quaresmeiras Roxas e o maior especialista em Nostradamus, literatura policial e imposto de renda do mundo.
Qual não é minha surpresa quando, ao abrir o terceiro volume a esmo, ali pertinho de quando Nostradamus fala que o mundo vai acabar em agosto (“a gosto de Deus”), me deparo com a quadra sobre o coronavírus lá circulada e marcada com pontos de exclamação e um lembrete para comprar papel higiênico escrito à margem!
Um ano depois da catedral em Paris arder em chamas,
Um mês depois do médico magro abraçar o hermafrodita,
Uma coroa virá da China e se espalhará pelo mundo,
Impedindo as pessoas de saírem para comer esfihas.
A quadra é inequívoca. Tenho vontade de ligar para dom Alex de Shoares e dizer “cara, que louco isso, né?”. Mas desisto, porque já é tarde e, no mais, dom Alex deve estar assistindo à formação de paredão do Big Brother Brasil. Fico ali, boquiaberto e pensativo, pensativo e boquiaberto, até que me lembro de fechar a boca, paro de pensar besteira, folheio o livro mais um pouco e encontro aquilo que tanto procurava.
Porque, sete quadras adiante, numa página que por descuido do encadernador estava colada a outra, Nostradamus previu o fim da pandemia:
Enquanto à live da Senhora Gaga e das Pedras Rolantes assisto,
Os canhotos e destros travam o embate final há muito previsto,
O tempo passa, bebo aquele vinhozinho e minhas virtudes listo,
Até que o vírus em forma de coroa se vai, não sem antes dizer “desisto”.
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