Em meio a memes, mensagens de trabalho, instruções da mulher sobre como lavar a louça direito para que sua querida esposa não tenha que lavar tudo de novo no dia seguinte e comentários impublicáveis em grupos diversos, me chega pelo WhatsApp uma foto da chamada “nova direita”. É a foto que ilustra esta coluna. Tive o cuidado de esconder os rostos. Não porque queira mal as pessoas retratadas (e, no fundo, nem elas se querem mal), e sim para evitar maiores mal-entendidos.
Vi essa direita engatinhando, ainda no final do século XX. Engatinhava junto dela, cometendo mais erros do que acertos, tateando, molhando os pés em águas frias ou areias movediças. O tempo passou, mas não muito. A vida, o coração e uns sonhos idiotas me levaram por caminhos outros e, assim, passei quase duas décadas observando a uma distância segura. Vi a direita, antes tímida e encolhidinha, ganhar voz em jornais, revistas, programas de rádio e TV e virar a Nova Direita© ™ ®, com direito a caixa alta e tudo. Vi os moleques com os quais trocava ridículos e-mails pretensiosos se transformarem em senhores, doutores, autores e até especialistas.
Era bom ver isso tudo. Mas, pessoalmente, também era ruim. Porque não havia espaço para mim nesse inner circle [termo intraduzível]. Verdade seja dita, muito cedo abdiquei do lugar que talvez me coubesse nesse latifúndio hoje tomado pela praga das desavenças. E não foram poucas as vezes em que me arrependi desse afastamento, porque ingenuamente (e bota ingenuidade nisso!) via naquele grupo algo que sempre busquei nos amigos: lealdade. Em meu delírio, gostava de idealizar aquelas pessoas, de vê-las unidas por um ideal maior, por um objetivo mais nobre do que a vaidade ou o dinheiro ou poder que historicamente moveram os homens. Se disser que as admirava não estarei exagerando.
Foi assim, de longe e alimentando fantasias, que vi essa “nova” direita perder o adjetivo e os cabelos, e ganhar espaço e relevância. Com a queda de Dilma Rousseff, alguns até chegaram ao poder. Naquela espécie de Purgatório que antecedeu a eleição de Jair Bolsonaro, a nova direita pôde sonhar com um Paraíso tropical conservador no qual eles (porque eu estava à margem) triunfariam sobre o progressismo.
Mas aí o encanto do sentimento de grupo, da união virtuosa, se desfez. Os motivos, só posso especular. Eles vão da aversão ao coletivismo própria de quem se debruça sobre autores conservadores, passam pela a vaidade (não à toa o pecado preferido do diabo), por insondáveis mesquinharias próprias do ser humano, por estupidezes que se escreve em dias azedos, pela sensação de superioridade moral que é a marca do nosso tempo, e chegam finalmente à incompatibilidade de valores. Acontece nas melhores famílias.
Jair Bolsonaro, a pandemia de Covid-19 e principalmente Olavo de Carvalho serviram de pretexto para que rixas de 10, 20 anos atrás, até então motivo de abraços arrependidos, eu-te-amos embriagados e muita autozombaria, voltassem com força. Ódios nasceram - ou ressuscitaram. Ressentimentos foram, bom, ressentidos. Mágoas subiram pela garganta, aquele gosto inconfundível de fel. E o resultado é o que temos hoje: a nova direita envelheceu rápido e, transformados na imagem cartunesca do idoso mal-humorado, seus membros saíram por aí queimando as frágeis pontes que haviam construído entre si e entre eles e o público. Quem ontem se chamava de "meu caro" para lá, "meu caro" para cá agora trocava impropérios e insultos baseados em trocadilhos toscos.
Não por coincidência, enquanto a direita foi cada um para seu lado em busca do proverbial pirão primeiro, a esquerda se uniu mais do que nunca. Diria que até mais até do que sob o Regime Militar. Trotskistas e stalinistas se deram aos mãos. Marxistas e foucaultianos deixaram diferenças menores para lá. Até petistas e tucanos, antes inimigos irreconciliáveis, encontraram uma forma maquiavélica de se reconciliar. Incapaz de chegar a um acordo quanto aos espólios de uma batalha a muito custo vencida (e talvez um tantinho deslumbrada com os holofotes), a nova direita se dispersou e, nesse processo, se apequenou a tal ponto que hoje corre o risco de ser esmagada por essa esquerda zumbi que nos apavora com suas ideias perigosamente retrógradas.
Qual a chance de essa foto se repetir hoje em dia? De termos lado a lado, falando a mesma língua e lutando por um objetivo maior, homens e mulheres que fizeram biquinho, se bloquearam no Twitter e saíram pisando forte, jurando inimizade eterna? Praticamente nenhuma. Seriam necessários um grande esforço de perdão, uma capacidade quase santa de superar diferenças e um milagre que os (nos?) fizesse esquecer todas as ofensas, todas as perversidades acumuladas nos últimos anos. Ou seja.
Recentemente, um ex-membro dessa nova direita, por acaso ausente na foto, mas também saudoso da esperança entusiasmada que banhava aquela união registrada por um Cartier-Bresson sem muito talento, fez um prognóstico assustador das nossas (vou me incluir, que se dane!) possibilidades. “Antigamente se dizia que a esquerda só era unida na cadeia. Pelo visto, a direita (e o centro, que não sabe o que fazer com as mãos) só vai se unir no paredón”, disse ele. Levantamos nossos copos no ar. Rimos. Mas era um riso triste. E preocupado.
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