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Num universo paralelo, Bolsonaro ainda governa o Brasil. Num universo paralelo, Bolsonaro assinou o Decreto de Defesa pouco antes da posse de Lula. Num universo paralelo, Bolsonaro mandou prender as autoridades eleitorais envolvidas na Grande Fraude de 2022. Num universo paralelo não é proibido escrever “A Grande Fraude de 2022”. Num universo paralelo, Bolsonaro agora conta com a BolsoNews, um canal de notícias dedicado a exaltar os feitos do novo regime. Num universo paralelo, Bolsonaro é ditador. Ele até raspou o cabelo!
Este é o cenário em que se desenrola a nossa história. Que se passa, vale repetir e repetir e repetir, num universo paralelo que não representa os anseios nem os temores do autor. Que não é o Paraíso nem o inferno. É só um universo paralelo. Para o bom andamento da narrativa, acho que nem preciso falar para você que agora Bolsonaro é ditador. Ah, já tinha falado! Que cabeça, a minha. Mas é isso: Bolsonaro virou ditador mesmo. Tanto que ficaram célebres as palavras dele quando alguém reclamou do, sejamos sinceros, golpe: “Perdeu, mané! Não amola!”. Ditador: não tem outra palavra.
Pois assim que foi consolidado o golpe, o ditador Bolsonaro mandou prender as autoridades eleitorais. Entre elas, claro, Alexandre de Moraes. E aqui vou fazer uma pausa para você assimilar este fato que é importante: Alexandre de Moraes foi preso. Preso. Preso! E ficou um bom tempo na cadeia, sem acusação nem acesso aos autos. Até que, sob coação e tortura psicológica da Polícia Federal, transformada em polícia política do bolsonarismo agora ditatorial, de um fascismo que nada tem de imaginário, ele aceitou fazer um acordo de delação premiada.
Ainda não se sabe ao certo o teor dessa delação premiada, mas os jornalistas da BolsoNews estão a todo instante vazando que Alexandre de Moraes entregou todo mundo. Da Cármen Lúcia ao Gilmar Mendes, passando pelo Toffoli e o Barroso, sobrou para todo mundo. O clima do STF não é nada bom. Graças à delação premiada, porém, Alexandre de Moraes foi solto. Com tornozeleira eletrônica e uma série de restrições que os juristas insistem em dizer que são ilegais, mas, pô, juristas, assim vocês atrapalham a narrativa. Shhhhh.
Xandão pede desculpas, renuncia e vai viver na Flórida, onde se torna vizinho do seu ex-arqui-inimigo Rodrigo Constantino. Etc.
O problema é que, na semana passada, a revista Veja do nosso universo paralelo publicou áudios vazados nos quais Alexandre de Moraes acusava Bolsonaro de ser um déspota. “Ele [Bolsonaro] é a lei. Ele prende, ele solta quando quiser, como ele quiser, com Ministério Público, sem Ministério Público, com acusação, sem acusação”, disse Xandão em alto e bom som. Para quem quisesse ouvir. Ou melhor, para quem ainda estava com dúvidas.
O ditador, evidentemente, ficou furioso. Ou, como diria Laniela Dima, jornalista da BolsoNews que age como porta-voz informal do regime, “ninguém critica o Mito impunemente”. Xandão teve de comparecer na Polícia Federal para prestar depoimento. Para explicar os áudios vazados nos quais ele dizia ter sido coagido a entregar seus colegas de Supremo. Diante do ditador Bolsonaro, Xandão se ajoelhou, pediu desculpas, disse que não era nada daquilo. Não adiantou. Para provar que não era um déspota, Bolsonaro agiu como tal. E Xandão foi preso novamente.
Na BolsoNews, o clima era de festa com o infortúnio do Xandão. Tanto que, mal contendo a risadinha de satisfação, Zanuta Méri contou que o ex-todo-poderoso desmaiou ao saber que seria novamente preso num processo ilegal, conduzido pelo ditador Bolsonaro, que atua como vítima, promotor, juiz e, nas horas vagas, carcereiro de seus inimigos. Acusação, aliás, que o ditador Bolsonaro nega: “Estou jogando dentro das quatro linhas”, insiste em dizer ele, repetindo o slogan de quando era de fato um democrata.
Num universo paralelo, este é o momento em que o autor desiste de publicar o texto. Antes que apareça alguém para dizer que “ditador Bolsonaro” é coisa de petista infiltrado na Gazeta do Povo. Se bem que, num universo paralelo (outro), o texto não só é publicado como também compreendido em sua plenitude. O autor ganha prêmios. O texto vira peça de teatro, série da Netflix e filme ganhador do Oscar. Xandão pede desculpas, renuncia e vai viver na Flórida, onde se torna vizinho do seu ex-arqui-inimigo Rodrigo Constantino. Etc.
Enquanto isso, neste nosso universo aqui, o autor simplesmente publica o texto – e vamos ver no que dá.