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Polzonoff

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"Para nós, há apenas o tentar. O resto não é da nossa conta". TS Eliot.

Absurdo!

O cancelamento do Ponto de Exclamação!

Todo mundo sabia que isso aconteceria: o sempre exaltado Ponto de Exclamação, apesar de suas melhores intenções, acabou cancelado. (Foto: Bigstock)

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Ao contrário do que muitos podem esperar de mim neste momento, não pretendo aliviar para o Ponto de Exclamação. De jeito nenhum. Afinal de contas, ele se portou mal. Não pela primeira vez. E, por isso, merecia de fato reprimendas – nada além de reprimendas. Mas depois de ter dito o que disse – e principalmente como disse - o Ponto de Exclamação veio a público, baixou a cabeça e, por um instante, até tirou o penacho para se revelar como um humilde Ponto Final que, por circunstâncias que não vêm ao caso, perdeu a compostura. Por isso ele merece ser perdoado. Como não?

Conheço o Ponto de Exclamação há muito, muito tempo. Desde que nos reuníamos para ler as estripulias do raivoso Pato Donald. Ele era aquela criança birrenta que nem adultos nem as próprias crianças toleram, sabe? Mas eu, por algum motivo, gostava dele. Assim gratuitamente.

Com o passar do tempo, e apesar de sua natureza colérica, o Ponto de Exclamação até que se manteve discreto. Eu chegaria ao ponto de dizer “contido”. Até porque, naquele tempo, convenhamos, os objetivos do Ponto de Exclamação eram outros. Bem diferentes. Ele estava mais interessado em levar interjeições femininas para jantar e, depois, para aquele cineminha esperto onde elas arfavam a cada cena mais quente. O Ponto de Exclamação só se revelava em sua totalidade quando ia ao estádio ver o Coritiba vencer com um gol sofrido no último minuto. E contra o último colocado no campeonato.

Mas daí o Ponto de Exclamação abandonou as donzelas e seus ohs e ahs. De futebol ele tampouco queria saber. Porque o Ponto de Exclamação descobriu a política e nela mergulhou de cabeça, parecendo até mesmo um Ponto de Exclamação argentino. Depois de um período conturbado em que se aliou ao Ponto de Interrogação para criar o Movimento Guerrilheiro das Perguntas Indignadas (conhecido pela sigla WTF?!), ele entrou de vez para o mundo da política e passou a exaltar apenas certezas. Sempre de topete erguido. Sempre com aquela babinha escorrendo do canto da boca.

Absurdo

Sabíamos todos: era uma questão de tempo até o Ponto de Exclamação ser cancelado. E não deu outra. Foi na mesa do bar, conversando animadamente na companhia de alguns amigos que admiro muito, que fiquei sabendo do ocorrido. Ponto e Vírgula tocou no assunto ao resmungar invejosamente que feliz mesmo era o Ponto de Exclamação, que todo mundo sabia para que servia. “Pior sou eu, que não tenho serventia nenhuma”, disse ele. Ô, dó.

As lamúrias animaram a mesa e, antes que eu pudesse me manifestar, o sempre assertivo Ponto Final se adiantou, dizendo que o Ponto de Exclamação até que tinha razão em algumas coisas. “Principalmente quando ele se revolta com as mortes do comunismo e a hipocrisia da esquerda. Mas precisa falar daquele jeito?”, perguntou ele, abraçado a um Ponto de Interrogação qualquer que, bêbado e perdido, por algum motivo veio se sentar à nossa mesa.

O sempre avoado Reticências levou a mão ao queixo e ficou refletindo. No silêncio que pairou entre nós, coube a mim pedir ao garçom mais uma rodada de Travessões Com Dois Pontos e sugerir: - O problema é que ele tem carisma. As pessoas o adoram. E ele sabe disso. Isso o encoraja a se exaltar cada vez mais e, assim, ele acaba exposto ao perigo. Mas o que foi que ele fez dessa vez?, perguntei, admirando uma Vírgula que passava por ali e me perguntando se eu não a conhecia de outros carnavais.

Me contaram, então, que o Ponto de Exclamação estava assim todo cheio de si, como lhe era característico, quando pediram a ele uma análise qualquer sobre um desses assuntos polêmicos que recheiam os sites de notícias, seduzindo os distraídos ou desocupados. Ele entrou em cena todo ereto, como de costume, fez uma pausa dramática, olhou para a câmera como se fosse engoli-la – e começou a desfiar todo um rosário de impropérios. Contra o STF, o movimento LGBT, a histeria ambiental e a obrigatoriedade da vacina. Sei lá mais contra o quê.

A indignação era tanta que, para variar, ninguém entendeu direito o que falou o Ponto de Exclamação. O que era bom, porque ele sempre conseguia unir as pessoas em torno de qualquer sentimento que estivesse assim mais aflorado. Mas o que também era ruim, porque permitia toda sorte de interpretação. Inclusive e principalmente interpretações maldosas. Para complicar, havia ainda aquela babinha escorrendo eternamente pelo canto da boca do raivoso Ponto de Exclamação. E quem consegue prestar atenção a um varapau esbravejante que produz hectolitros de saliva?

O fato é que o que ele disse foi interpretado como uma ofensa mortal por vários grupos que se especializaram em fazer política diante do espelho e que, por se saberem capazes de perversidades mil, pressupõem nos outros a mesma perversidade versátil. E, assim, o Ponto de Exclamação acabou cancelado, demitido de todos os seus empregos, apagado das redações escolares e excluído até mesmo por escritores que, há não muito tempo, recorriam a ele quando algum de seus personagens estava desesperado.

Depois, percebendo que tinha ultrapassado algum limite arbitrário, me contaram os amigos que o Ponto de Exclamação foi a público pedir desculpas. Num discurso emocionante, ele agradeceu a fidelidade das Aspas e disse que, na fala que o desgraçou, estava sendo irônico. E prometeu se emendar e até passar uma temporada numa dessas clínicas para homens estressadinhos. Mas não teve jeito. Ninguém o perdoou.

Fez-se mais uma vez silêncio. À minha direita, Ponto e Vírgula se distraía com um Asterisco que entrou pela janela. Ponto Final estava sorumbático e indecifrável. E o Ponto de Interrogação que ninguém sabia quem era ou de onde viera me olhava como se vasculhasse minha alma. Reticências continuava perdido, caçando nuvens invisíveis. Naquele cenário, só me restava prestar uma homenagem ao velho Ponto de Exclamação, eternamente desatinado e incompreendido em sua danação. – Um absurdo! – disse, comendo os últimos Travessões fritos.

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