Da primeira vez que assisti à cena de Lula tomando a vacina bivalente contra a Covid, muitas coisas chamaram minha atenção. O sorriso deslumbrado de Janja. A infantilização do ato com a presença do Zé Gotinha. Os gestos ensaiados. A disposição de Lula como se fosse um animador de plateia. Os gritos de Lula-lá. E a narração oficial, cheia de sinalização de virtude e apelando para um sentimentalismo cientificista cafona e tardio.
Mas na hora nem me passou pela cabeça a possibilidade de Lula não ter tomado a injeção. Digo, o que me passou pela cabeça foi a possibilidade de a animação fingida e os gestos exagerados serem um sinal de medo. Não, "medo" é uma palavra muito forte. Receio. Desconfiança. Intuição. Chame como quiser a sensação de que alguma coisa estranha está... estranha.
Em nenhum momento, porém, imaginei estar diante de um teatro tão grotesco a ponto de Geraldo Alckmin, um médico, fingir aplicar a injeção em Lula, um presidente. Eleito, aliás, com o apoio incondicional daqueles que entrarão para a história com a alcunha de coronalovers ou pandemínions. Não, não é possível que em plena era da informação, sob o olhar implacável das câmeras onipresentes e com milhões de pessoas atentíssimas e com tempo à disposição para procurar qualquer descuido do inimigo ideológico, Lula e Alckmin aceitassem se sujeitar a uma farsa dessas.
É mesmo impossível?
A primeira vez que vi essa hipótese ser levantada foi logo na manhã de quinta-feira (2). Alguém havia tido o cuidado de aproximar a imagem gerada pela TV Brasil e de ressaltar cada detalhe da cena. Induzido pela possibilidade fantástica de estar diante de uma fraude histórica, assisti à (suposta) vacinação uma, duas, dez vezes. Alckmin passa álcool no braço de Lula. Dá a espetada. O corte não permite ver a mão do vice/médico. Agora sim. Alckmin crava a agulha no excelentíssimo braço e... Apertou ou não apertou o êmbolo da seringa?
Mas essa coisa de Alckmin pressionar ou não o êmbolo é apenas uma das teorias da não-vacinação de Lula. A outra, tão popular quanto, diz que Alckmin, antes de espetar o braço presidencial, joga toda a vacina fora. Todo o líquido, digo. Para esclarecer essa dúvida, ligo para a médica da família, bolsonarista roxa, que explica que “é normal o procedimento para expulsar todo o ar possivelmente contido na seringa e, assim, garantir que apenas o líquido seja injetado no paciente”. Médico fala engraçado, né?
Por fim, a terceira teoria é a da enfermeira. O vídeo que circula mostra uma senhora, depois do espetáculo, dizendo que Lula receberia o cartão de vacinação, mesmo sem ter sido vacinado. “Vou falar. Receba o cartão de vacina, mas você não foi vacinado, não” - está escrito na legenda no vídeo, que atribui à mulher o título de enfermeira. O problema é que, como o áudio está meio abafado por uma algazarra, a legenda induz o espectador a ouvir o que ele vê escrito.
Estava criada a confusão: Lula tomou ou não tomou a vacina? Alckmin apertou ou não o êmbolo? Era vacina ou era placebo? As respostas a essas perguntas eu deixo para você. O interessante, aqui, é perceber o grau de desconfiança da população em relação a Lula. Nunca vi nada parecido com isso. Um presidente recém-eleito que não teve lua de mel com seu eleitorado supostamente majoritário. Um presidente recém-eleito que não passa um dia sem ser desmentido. Um presidente recém-eleito que tem seus gestos minuciosamente analisados por milhões de investigadores dispostos a encontrar e alardear qualquer indício mínimo de falcatrua.
Isso é consequência dos muitos atalhos que a “democracia” teve de pegar para eleger o fantoche das elites. Metade do país não acredita em absolutamente nada, ene, á, dê, á, que Lula diz ou faz. Se duvidar, nem os petistas acreditam! Metade do país não vai dar trégua, não vai descansar enquanto não encontrar a mítica prova do que já nos sussurra o bom senso: Lula está para a mentira assim como a mentira está para Lula. E não dá para uma mentira liderar um país com mais de 200 milhões de habitantes.
Resta saber, portanto, como Lula e o PT administrarão um país incapaz de confiar no seu presidente. No homem que, em teoria, deveria canalizar os anseios mais profundos (e virtuosos) da sociedade. É o que venho dizendo há tempos: a noção de legitimidade vai muito além do valor numérico que lhe deu a vitória nas eleições. Mais do que possam dizer as suspeitas urnas eletrônicas e as leis, e por mais que insistam as arrogantes autoridades eleitorais, essa desconfiança toda é um sinal inequívoco de que Lula é visto como um governante ilegítimo. Ou, no mínimo, de legitimidade questionável. Não há democracia que resista a isso por muito tempo.
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