1. O ENEM nasceu como Exame Nacional do Ensino Médio, mas essa historinha para boi dormir não engana mais ninguém – se é que enganou algum dia. Hoje, o ENEM se tornou símbolo do fracasso que é a transmissão de conhecimento no Brasil e virou Exame Nacional do Energúmeno Médio. Ou, para usar a definição quase perfeita de um amigo, Exame Nacional da Estupidez Militante.
2. O ENEM é o ápice da educação planificada. É uma abominação. É uma confissão de derrota nascida da preguiça de uma sociedade que relegou ao Estado, na figura sentimentaloide dos professores, a educação de sua prole. O ENEM é o apogeu da doutrinação – mas isso é o de menos. O ENEM é o sacrifício anual da vocação para a excelência no altar de um supostíssimo sucesso profissional.
Questão de lógica
3. Está com tempo? Ótimo. Então vamos ler juntos a questão sobre o agronegócio. Vamos ler com calma. “No cerrado, o conhecimento local está sendo cada vez mais subordinado à lógica do agronegócio”, começa o enunciado da questão. Que lógica é essa? Os autores dessa burrice-com-selo-do-MEC parecem pressupor que é a lógica do lucro a qualquer custo. E não é porque Marx ensinou, não. É porque essa gente se olha no espelho e sabe que está disposta a tudo, que paga qualquer preço para se manter no poder. E não consegue conceber um mundo habitado por pessoas que tenham valores menos corrompidos.
4. Adiante, a questão diz que “de um lado, o capital impõe os conhecimentos biotecnológicos”, blá, blá, blá, ”e de outro [que na verdade é o mesmo], o modelo capitalista subordina”, mó, mó, mó, mó [LER COM A VOZ DA PROFESSORA DO CHARLIE BROWN] homens e mulheres à lógica do mercado”. Olha ela aí de novo, a tal da lógica como inimiga. Não é à toa. Eles sabem que, para impor o comunismo, é preciso substituir a lógica, qualquer lógica, pela força. Afinal, ironicamente essa é a “lógica” do comunismo: o triunfo da vontade de uns poucos sobre os demais.
5. “Assim, as águas, as sementes, os minerais, as terras (bens comuns) tornam-se propriedade privada”, continua a questão. E, dessa forma, ficamos sabendo que o aluno do ENEM tem de demonizar a propriedade privada simplesmente porque alguém decidiu que as águas, as sementes, os minerais e a terras são “bens comuns”. Provavelmente destinados à exploração sustentável por uma casta de iluminados imunes a qualquer tipo de pecado. E tem gente que ainda acredita nisso.
6. E finalizam a questão com uma lista de outros “fatores negativos”. Fatores negativos de um setor que só tem gerado riqueza e alimentado o mundo. Um setor sem o qual seríamos hoje ainda mais miseráveis do que somos. Um setor que, a despeito da propaganda suja, contribui muito mais para a proteção do que para a devastação do meio ambiente. Um setor cujo pecado é ser bem-sucedido.
7. Mas quais seriam esses fatores negativos? A eles, pois: “a mecanização pesada [é para voltarmos ao tempo do carro de boi? ], a ‘pragatização’ [ãhn?] dos seres humanos e não-humanos [é piada, né? diz que sim, por favor], a violência simbólica [ai!], a superexploração [do quê?], as chuvas de veneno [poesia numa hora dessas?] e a violência contra a pessoa [que pessoa?]”.
Visibilidade
8. Aí teve a redação. O tema era “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”. Fiquei pensando, pensando, pensando. E cheguei à conclusão de que provavelmente tiraria ZERO na redação do ENEM porque, para começo de conversa, desde quando “invisibilidade” é um problema? Diria mais. Diria que, no meu mundo ideal, na utopiazinha que também trago comigo, a invisibilidade deveria ser um objetivo – e não só entre as mulheres que cuidam de idosos, crianças e doentes.
9. Insuportavelmente contemporânea é essa obsessão pela visibilidade. Como se só existissem aqueles que são visíveis nas redes sociais ou nas manchetes de jornal ou nos gabinetes da vida. Como se só fossem dignos aqueles que fazem sucesso. Algum tipo de sucesso. O que vai totalmente na contramão de valores como a humildade e a modéstia – duas palavras que os corretores da redação provavelmente desconhecem.
10. Mas suponho que se no meu texto eu propusesse um, sei lá, Only Fans para cuidadoras, enfermeiras e babás, uma plataforma que desse a elas a tão sonhada (e inútil) visibilidade, minhas chances de tirar uma nota alta a fim de continuar meu processo de doutrinação na universidade pública aumentaria bastante, né? Que lástima!
Ludmilla
11. A especialista em lacração e dublê de cantora Ludmilla foi a escolhida para interpretar o Hino Nacional antes do Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1. Mas teria sido melhor se ela tivesse tentado cantar o hino durante a corrida. Assim pelo menos o tal do ronco dos motores teria abafado o vexame do episódio. Porque Ludmilla simplesmente se esqueceu da letra. Nem o embromation básico ela conseguiu entoar.
12. Ludmilla que, se calhar, vira tema de redação do ENEM ano que vem. “Desafios para o enfrentamento da tirania do conhecimento e do talento a que são submetidas as cantoras de funk no Brasil”. Ou qualquer outra balela do tipo. Duvida?
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