O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
- Fernando Pessoa
É fácil me juntar à indignação geral. Inclusive porque neste caso a indignação é justíssima. Afinal, o que escreveu de tão condenável o jogador de vôlei Maurício Souza a ponto de virar alvo de linchamento por parte dos “odiadores do bem”? Em meio ao ruído ensurdecedor do caso, a única coisa que consegui ouvir foi uma reflexão (bastante superficial, aliás) de alguém que está preocupado com os avanços do progressismo identitário.
Mas não sou pago para dizer o óbvio. Não gosto do óbvio. O óbvio me dá urticárias. Por isso convido o leitor a me dar a mão para contornarmos o reino a Obviolândia e subirmos até o Promontório de Algum Bom Senso para, lá do alto, tentarmos enxergar esse furdunço todo de um ângulo diferente.
Já vê? Sim, aquele lá embaixo é o jogador Maurício Souza. Trinta e três anos. Mineiro de Iturama, absurdos 2,09m de altura, medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 2016. Ele não esconde a simpatia pelo presidente Jair Bolsonaro nem sua visão de mundo conservadora. Há longínquos 6 anos, por exemplo, um Maurício de apenas 27 anos disse: "Essa galera das novelas que querem mostrar e colocar na cabeça dos brasileiros que trair a mulher, ser gay, entre outras coisas, é normal e é legal ser e fazer essas coisas. Não sou preconceituoso, longe disso. Mas prefiro que meu filho não veja esse tipo de coisa e saiba que ter uma mulher, construir uma família e ter valores é o certo. Foi o que meu pai me ensinou, é assim que tem que ser. Fica esperto e não deixa seus filhos ver essas coisas”.
Não há exatamente nenhum brilhantismo na declaração, que tampouco é condenável. Que tampouco é condenável. Que tampouco é condenável. Trata-se apenas de uma pessoa expondo sua visão de mundo. Sem pregar violência. Sem sugerir que o “outro” deva ser extirpado da face da Terra ou deva perder o emprego. É apenas um homem que, a julgar por suas próprias palavras, procura viver fazendo o que ele considera certo e digno. Talvez em busca de uma excelência que transcenda o esporte e que venha a se transformar em Legado.
O problema dessa declaração e da frase que provocou a demissão do jogador de vôlei, bem como a exposição dele à ensandecida turba identitária, não tem a ver com o que é dito. Nem com quem diz. O problema está numa pergunta que gostaria de ver Maurício Souza e outras cancelados responderem: por que dizer? Isto é, o que move o homem livre a exercer de forma tão displicente sua liberdade? Uma liberdade que, vale dizer, se torna ainda mais preciosa na medida em que se vê ameaçada de esgotamento.
Vendilhões do Templo
Uma resposta para essa pergunta pode estar na tal “guerra cultural”, travada por indivíduos tão díspares quanto um jogador de vôlei e um ator. E é compreensível que as pessoas, na busca por um sentido na vida, o encontrem ao se verem como combatentes do bom combate & outros clichês do gênero. Mas sejamos sinceros com nós mesmos: nos casos de cancelamento que envolvem “civis”, isto é, pessoas que se posicionam voluntariamente sobre alguma questão, há um bocadinho de narcisismo a contaminar esse suposto ato de autossacrifício.
Questiono (embora não condene) a liberdade real de alguém que se deixa escravizar pela necessidade de se expor – nem que seja em defesa dessa mesma liberdade. Usando o caso concreto de Mauricio Souza, quem o escraviza é a militância LGBTQUIABO (apud Bruna Frascolla) ou é seu próprio ímpeto de querer, sei lá, consertar o mundo por meio de um comentário? Será que num mundo ideal, onde prevalecesse a liberdade plena de expressão, Maurício Souza não continuaria igualmente escravo do desejo de ver sua opinião prevalecer? Pior: será que ele não continuaria escravo das redes sociais que, apesar da conversinha mole para boi dormir, prospera com a humilhação pública de alguns usuários?
Mauricio Souza não errou no conteúdo de suas opiniões. Elas revelam apenas um homem com valores conservadores que, hoje em dia, podem destoar da norma progressista. Não é violência, crime, homofobia, fascismo. Nada disso! O problema está em abdicar da função nobre de ser um “Esteves sem metafísica” do poema “Tabacaria”, de Fernando Pessoa, para se transformar em bucha de canhão que uma batalha que, muitas vezes, não nos diz respeito.
O problema está em ceder à tentação de se ver como um Cristo de chicote em riste expulsando os vendilhões do Tempo, quando é mais provável que sejamos apenas Hamletzinhos dispostos a cometer uma carnificina para nos ver livres de nossos fantasmas.
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