A ideia era hoje chegar aqui e escrever algo leve sobre a decisão do Tribunal de Contas da União que, na figura do ministro Bruno “Marionete do Renan Calheiros” Dantas, condenou o ex-procurador Deltan Dallagnol e o ex-procurador geral Janot a devolverem R$2,8 milhões por conta de suposta (e bota supostas nisso!) despesas irregulares na Operação Lava Jato. Mas duvido que consiga. Primeiro porque chove e faz frio lá fora. Depois porque não há nada de leve na imagem de um Estado controlado por corruptos pisoteando e se vingando daqueles que, um tanto quanto ingenuamente, vislumbraram a possibilidade de tornar esse mesmo Estado um lugar menos parecido com um chiqueiro.
Em editorial, a Gazeta do Povo diz que o TCU teve seu dia de infâmia e que em apenas 5 segundos conseguiu a proeza de descer ao mesmo nível do Supremo Tribunal Federal, que anulou os processos contra Lula. Discordo num detalhe: até pela excentricidade institucional que é o TCU (que, apesar do “tribunal” no nome é um órgão do Legislativo), a decisão contra Dallagnol e Janot é pior e mais nociva, porque seu caráter simbólico é mais duradouro. E também porque mostra o tamanho do poder que um homem como Renan Calheiros pode ter numa estrutura ilógica e imoral como é a do Estado brasileiro. Estamos à mercê desse tipo de gente. Todos.
Em essência, o recado que a decisão do TCU dá é de uma perversidade quase inconcebível: quem se atrever a investigar e punir a corrupção de que se retroalimenta o Leviatã será, mais cedo ou mais tarde, punido. E, se não houver crimes, não tem problema. A gente dá um jeito e inventa um crime para você. Gastos com despesas de viagem, por exemplo. Onde já se viu um membro do Ministério Público pagar R$10 num pão de queijo de aeroporto! Se calhar, inventamos até um crime para seus parentes e amigos. Para seus descendentes! Não mexa com a gente. Não tente bancar o herói. Aqui quem manda sou eu. Ou, pelo menos, o Renan Calheiros.
Chama a atenção nesse imbróglio toda a paciência e o maquiavelismo do senador alagoano, padrinho político do ministro Bruno Dantas, relator do caso. Se há alguém neste mundo que entendeu o ditado “vingança é um prato que se come frio”, esse alguém é Renan Calheiros. Que há décadas usa o Estado em proveito próprio, em sucessivos golpes em que a esperteza se sobrepõe a qualquer vislumbre de virtude. E tem gente que admira!
Aliás, cabe aqui uma crítica a toda a força-tarefa da Lava Jato, especialmente a Deltan Dallagnol. Há alguns anos, eu o vi dando entrevista para o agora saudoso Jô Soares. Durante a conversa, Dallagnol insistia que a corrupção (no sentido mais pecuniário do termo) era o maior problema do Brasil. Problema que ele se propunha a resolver por meio do uso virtuoso de todas aquelas leis e códigos e manuais que fazem a alegria dos positivistas. Minha crítica, pois, é esta: antes da corrupção pecuniária, isto é, antes de alguém querer tirar proveito financeiro dos cofres sempre abarrotados do Estado, há sempre a corrupção do caráter – este, sim, o maior problema do Brasil. E sobre o qual as leis têm sempre um efeito bastante limitado.
Já escrevi sobre isso ao tratar da criminalidade que corrompe os jovens, obrigando-os a lutarem numa guerra ilógica a fim de satisfazerem desejos muito básicos. Para comprar um tênis, levar a moça no baile funk e, em último caso, para viver uma vida brevíssima e de prazeres intensos. O mesmo serve para os corruptos de terno, gravata e implante capilar. Neste caso, a lei e a força policial foram paliativos que até nos deram esperança nas manhãs em que a Operação Lava Jato funcionava como despertador de bandidos. Mas prevaleceu o câncer.
Daqui por diante, quem será o idiota (no sentido dostoievskiano do termo) que ousará abrir um só processo que seja contra um caso escancarado de corrupção? (Aproveitando o espírito do tempo, vale perguntar quem será o idiota, ainda no sentido dostoievskiano do termo, que nas próximas eleições, ao se deparar com uma possibilidade escancarada de fraude, ousará denunciá-la às autoridades?). Só não respondo à pergunta retórica com um sonoro e desesperado “ninguém” porque sabemos que, se por um lado o mundo é feito de uma maioria que celebra a esperteza de um Renan Calheiros, por outro sempre haverá sonhadores que, ao tentarem fazer o certo, serão acusados de messianismo.
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