Torradeiras.| Foto: Abdias Pinheiro/TSE
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A confiabilidade das torradeiras está sendo novamente questionada pelo presidente Jair Bolsonaro. E está sendo mais uma vez reafirmada enfaticamente pelo Judiciário. De um lado, uma dúvida que, independentemente de ser ou não paranoica na origem, está por aí. No ar, no éter. De outro, a arrogância inexplicável e teimosia idem de todo um grupo que existe justamente para garantir que sobre as eleições e suas torradeiras maravilhosas não paire qualquer dúvida - por mais infundada que ela pareça.

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Numa conversa recente com amigos bem mais velhos do que eu, fui levado a lembrar que as torradeiras, ao contrário do que diz a campanha do TSE, nunca foram exatamente uma unanimidade. Se temos essa impressão, é porque aqueles eram outros tempos. Tempos de calmaria política, de estabilidade econômica e de tranquilidade com a queda razoavelmente recente do Muro de Berlim. "A gente achava que era impossível alguém continuar comunista depois de ver as torneiras de ouro dos governantes da Alemanha Oriental", disse um deles. Apesar do clima geral de alienação, sempre houve quem olhasse com desconfiança para as torradeiras. Nem que essa desconfiança nascesse de um espírito que misturava nostalgia, tradição e uma pitadinha de ludismo.

Hoje a gente gosta de rir dos luditas porque eles eram basicamente contra as máquinas que permitiram a Revolução Industrial e, à la Boulos, invadiam as fábricas destruindo tudo. E por “tudo” leia-se “principalmente teares”, que eram o ápice da tecnologia da época. É muito fácil, com o olhar contemporâneo, ridicularizar essas pessoas. Mas a gente não pode esquecer que o sustento e o estilo de vida delas estavam sendo ameaçados por uma geringonça sem alma. E nem chegava a ser uma torradeira dessas que o TSE jura por tudo o que é mais sagrado que são seguras.

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Avançando um pouco no tempo, do começo à metade do século XX temos a “era de ouro da ficção científica”, gênero que consagrou muitos escritores de imaginação exuberante e estilo sofrível. E, em essência, do que fala a ficção científica? Da relação sempre complicada entre o homem e a tecnologia criada pelo homem. E nem por isso filmes e livros com máquinas malvadas são considerados luditas. É natural, pois, que muita gente se sinta profundamente ameaçada quando se trata de confiar o destino de um país a máquinas tão simples quanto torradeiras.

Em relação às nossas torradeiras, a dúvida é natural. Naturalíssima. De uma naturalidade tão grande que há não mais de uma década os próprios parlamentares, representantes democraticamente eleitos da população, aprovaram uma norma que determinava que o pãozinho torrado eletrônico viesse acompanhado por um paõzinho torrado físico, verificável. Em 2015, porém, os ministros do STF, talvez deslumbrados com o potencial ideológico da manipulação sutil das torradeiras, deram início à teimosa iniciativa de garantir a legitimidade das eleições na marra.

Inatural é a teimosia nascida da soberba tecnocrata. Uma arrogância que ignora um desejo que você pode considerar “retrógrado”, irracional, equivocado, mas que é autêntico dentro da ordem democrática: o desejo de ver suas ideias devidamente representadas por meio do voto. O quanto esse desejo é ilusório não está em questão aqui. O que está em questão é a recusa inexplicável das autoridades competentes. Uma recusa que tem potencial para jogar o país num abismo maior ainda.

Afinal, se as torradeiras derem a vitória ao ex-presidiário Lula (toc, toc, toc), a legitimidade de uma eleição que tem por base apenas a canetada do ministro Edson Fachin e a fé na tecnologia das torradeiras será, evidentemente, questionada. Ou melhor, negada e rejeitada por uma parcela nada desprezível da população. Nesse ambiente, não se pode esperar de um presidente eleito legalmente, mas ilegitimamente, que ele governe o país em paz. Porque não haverá paz. E, na falta de paz, os governos tendem a usar o que lhes resta: a força.

A crer na honestidade dos ministros & suas torradeiras infalíveis, resta a hipótese não menos absurda de que STF e TSE agem movidos pela empáfia, pelo desprezo aos sentimentos – insisto: legítimos – de parte da sociedade, e pela certeza (essa, sim, infundada) de que a história reserva aos ministros um lugar de honra pela defesa arrogante que eles fazem dessa democracia com contornos muito particulares.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]