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Polzonoff

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"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

O mal que nos habita

O que a lembrança do Holocausto significa para nós

Holocausto
Auschwitz, um dos cenários do Holocausto: o que você faria se a loucura se repetisse? (Foto: Pixabay)

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O que o Holocausto significa para os judeus? Ah, essa é fácil! Significa o assassinato em escala industrial de seis milhões de homens, mulheres, crianças e idosos, pelo simples fato de serem judeus. Hitler, em seu delírio demoníaco de criar uma sociedade perfeita, acreditava que a solução (final) estava na eliminação daqueles que tinham alguma predisposição genética para arruinar todos os povos entre os quais se misturavam.

Logo, imagino que a lembrança do Holocausto e a abominável acusação de que os israelenses estariam agindo igualzinho aos algozes de seus pais, avós ou bisavós tenham sobre os judeus contemporâneos um efeito duplo. De humilhação, sim, mas também de intimidação. É um lembrete incômodo de que o antissemitismo cultural, isto é, a ideia de que judeus são opressores natos ou coisa pior que prefiro não citar aqui, e que por isso precisam ser exterminados, continua viva no coração de muito ressentido por aí.

Não sou judeu. Embora Hitler talvez quisesse me matar por causa daqueles >2% que constam no Genera. Ainda assim, ao ouvir as declarações de Lula me vi tomado por uma fúria que só encontrou expressão numa palavra: canalha. Mesma expressão que me serviu como válvula de escape ao ler intrincadas justificativas geopolíticas ou filosóficas para se concordar com o füherzinho de Garanhuns: canalha.

A raiva me surpreendeu. A ponto de eu querer entender o porquê dela. Que sentido tem o Holocausto, a lembrança do Holocausto, para um não-judeu de meia-idade em pleno século XXI? Para esclarecer essa dúvida, recorri a tudo o que já li e vi sobre o suplício dos judeus submetidos a campos de concentração e extermínio. Me lembrei de “O Pianista” e de documentários com corpos tão emaciados que não pareciam mais humanos. Me lembrei de não aguentar ler “É isto um Homem?”, de Primo Levi, até o fim. Me lembrei de Viktor Frankl. De Eli Wiesel. E de uma leitura recente e que ainda está muito vívida na memória: os diários de Victor Klemperer, com sua impressionante frase “Na farmácia, pasta de dentes com a suástica”. Uau.

“Seremos heróis ou cúmplices da vilania? Ou daremos de ombros e nos dedicaremos a viver a vida pequena, como se o problema não nos dissesse respeito?”

Desse baú de memórias, informações e influências culturais tirei um primeiro e mais importante sentido para o Holocausto, quando lembrado por nós, não-judeus neste começo de século XXI: o reconhecimento de que o mundo inteiro perdeu um pouco da sua humanidade quando a Alemanha nazista decidiu usar a sua melhor logística e tecnologia para matar nossos semelhantes só por causa da linhagem deles. Não que sejamos culpados pelos crimes dos nossos antepassados. Claro que não. Mas a mera lembrança de tudo o que aconteceu nos obriga a aceitarmos o fato incontestável de que o mal também nos habita.

Daí a pergunta necessária: se eu vivesse naquele tempo, teria ajudado o meu vizinho judeu – ou o teria denunciado às autoridades? Ou teria sido omisso, como foram milhões de alemães mais preocupados em garantir o chucrute na mesa do que com o destino de seus compatriotas judeus? Aliás, isso é o que mais choca nos diários de Klemperer: a omissão que encontra justificativa fácil na necessidade de sobrevivência. Ou no medo de que “vai acabar sobrando para mim”. E a verdade é que sempre sobra mesmo! Mas quem é que está disposto ao heroísmo do martírio cotidiano e discreto?

Eis o que incomoda na memória pervertida do Holocausto evocada pelo negacionista Lula: ela reforça a sensação de que estamos vivendo tempos não iguais, mas em vários sentidos parecidos. Assustadoramente parecidos. Basta pensar no cientificismo da pandemia, no indisfarçável autoritarismo do STF e no ressentimento vingativo de Lula e do PT – sem falar no antissemitismo atávico da esquerda. Basta pensar no tamanho do Estado e na influência que as ideologias têm na nossa vida cotidiana.

Diante dessas constatações, resta-nos a mesma dúvida que deve ter passado pela cabeça do senhor Wolfgang ou Klaus ou Hans lá na Alemanha da década de 1930: perante a possibilidade de vermos mais uma vez a capacidade de organização e a tecnologia sendo usadas para a criação de uma improvável “sociedade perfeita”, isso à custa da vida de muitos dos nossos semelhantes, seremos heróis ou cúmplices da vilania? Ou daremos de ombros e nos dedicaremos a viver a vida pequena, como se o problema não nos dissesse respeito? Com a palavra, o leitor que chegou até aqui e sabe que não gosto de terminar o texto com ponto de interrogação.

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