Joice Hasselmann, que há algum tempo vinha chamando a atenção ao expor o corpo esculpido a cinzel cirúrgico na Internet, surpreendeu a todos na quinta-feira (22), ao aparecer com o rosto machucado, dente quebrado e, até onde se sabe, com fraturas pelo corpo. Mais surpreendente ainda foi o que a controversa deputada disse sobre os ferimentos. Hasselmann afirmou ter sido vítima de um atentado político.
É mais uma história, digamos, interessante na vida da deputada eleita em 2018 com mais de um milhão de votos – alguns deles distraídos. Joice Hasselmann já foi jornalista combativa anti-PT, tentou a carreira de atriz com uma websérie sobre corrupção, biografou o juiz Sergio Moro, foi a fiel escudeira de Jair Bolsonaro para de repente virar uma de suas críticas mais agressivas. E por aí vai. Sempre com muito estardalhaço.
Como Hasselmann inegavelmente gosta que os holofotes lhe prestem mesuras, é normal que surjam dúvidas sobre a veracidade da acusação grave, gravíssima, feita por ela. Afinal, estaríamos vivendo num país onde uma deputada tem seu apartamento invadido e é brutalmente espancada? E ainda por motivações políticas? E logo agora que Hasselmann vinha chamando a atenção mais pelos trajes ousados no Instagram do que por sua atuação parlamentar? E mais: já que o atentado teria ocorrido na noite de sábado, por que a deputada demorou tanto tempo para acionar a Polícia Legislativa? Mistério...
Uma vez confirmado que se tratou mesmo de um crime político, que os fatos sejam devidamente apurados e os responsáveis, encontrados e punidos. Mas e se essa história for apenas um delírio ou uma forma que a deputada encontrou para ganhar as manchetes no momento em que o país parece mais interessado em CPI da Covid, fundão eleitoral, voto auditável e na relação conflituosa entre os poderes? E se os ferimentos tiverem sido apenas consequências de, sei lá, um tropeço trapalhão?
Carlos Lacerda de saias
Talvez eu não devesse ser assim tão explícito em meu ceticismo. Sei disso. Mas é que há pessoas para as quais a vida é um conto de fadas quente e açucarado como os daqueles livros femininos que eram vendidos em bancas de jornal. Ou dramas dostoievskianos – o que provavelmente é o meu caso. Para algumas, a vida é cheia de cor e música, como um romance de Jorge Amado. Enquanto para outras, e esse me parece ser o caso de Joice Hasselmann, a vida tem um quê de thriller de Ken Follett (ou seria Dan Brown?), quando não de farsa detetivesca à la Agatha Christie.
Não há, nessa minha constatação pseudopsicoliterária, nenhuma objeção em si. Afinal, cada qual sabe o tipo de narrativa que lhe cai bem. E se no caso dos thrillers ou farsas detetivescas a verdade triunfar, tanto melhor. Mas não posso ignorar o incômodo que me causa saber que há pessoas que se sentem plenamente à vontade no caos. Ou melhor, que prosperam no caos. E que, por consequência, vivem de promovê-lo. Até que, quem sabe, algum dia alguém reconheça que essas pessoas são heroínas de uma trama rocambolesca, num laboratório ultrassecreto instalado no interior de um vulcão extinto numa ilha remota do Pacífico.
Para o bem da deputada e, por que não?, do país, tomara que o atentado de Joice Hasselmann tenha sido apenas o lapso de uma “lutadora profissional”, mas enófila amadora. Ou até um prosaico e gargalhável acidente doméstico – eu mesmo, estabanado que sou, vivo tropeçando nas próprias pernas. Ou ainda uma tentativa, até aqui bem-sucedida, de gravar de uma vez por todas o nome no anedotário político nacional.
Porque a alternativa a isso seria acreditar que Joice Hasselmann é assim uma espécie de Carlos Lacerda de saias, vítima de uma versão patética do atentado na rua Tonelero, cometido a mando do fascista Getúlio Vargas. O que é demais até mesmo para um escritor criativo como eu.
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