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Polzonoff

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"Para nós, há apenas o tentar. O resto não é da nossa conta". TS Eliot.

A pulga atrás da orelha: o que há de real e de fantasia no Bolsonaro chavista

Muita gente acredita que Bolsonaro pretende dar um golpe à la Hugo Chávez. Mas o que há de real e de fantasioso nesse pessimismo todo? (Foto: Isac Nobrega/PR)

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A pulga está aqui sussurrando no meu ouvido que talvez, só talvez, eu esteja bancando o inocente útil num jogo muito sórdido que culminará com uma rasteira de Jair Bolsonaro na democracia. Meu bom amigo Jorge, por exemplo, além de adversário fácil-fácil em nossas partidas de squash, é desses que têm certeza de que amanhã ou depois Bolsonaro dará um golpe e implantará no Brasil uma espécie de chavismo à direita.

A visão do Jorge é compartilhada por meu colega Diogo Schelp e por muitos outros observadores do poder cujo trabalho acompanho com admiração. Longe de ser um esquerdista histérico, daqueles seduzidos pelo fascismo imaginário que permeou os primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro, Schelp acompanhou de perto a ascensão do chavismo e é a partir da observação daquele fenômeno que ele vê semelhanças entre o comandante venezuelano e o capitão brasileiro.

Alguns dos sinais recentes da existência de um protobolsochavismo (para dar uma de Márcia Tiburi aqui) seriam as motociatas, a cooptação das Forças Armadas (no caso da não-punição ao ex-ministro Pazzuelo) e até uma mudança na forma de indicar os membros do Tribunal de Contas da União. Isso sem falar na retórica exaltada e as insistentes alegações de fraude eleitoral por parte do presidente.

A tudo ouço com uma mistura de surpresa e preocupação. Às vezes, depois de tomar o Toddynho que antecede o sono, me pergunto se sou cego ou ignorante. Uma espécie de Pedro Bó que escreve razoavelmente bem. Fico remoendo acontecimentos e falas, fazendo associações e conjecturas, ligando os pontinhos a fim de chegar à conclusão fatídica de que vivemos tempos pré-totalitários e, em breve, todos teremos de bater continência para a passagem de Bolsonaro I, Il Mito.

Princípio da Incompetência Generalizada

Mas não consigo. Correndo o risco de parecer ainda mais bocó, tenho reagido a esses prenúncios de ditadura com dois argumentos que, se não são exatamente à prova de falhas, bastam para me assegurar de que, por mais que se discorde de tudo o que Bolsonaro faz e por mais ruidoso que seja o governo dele, a situação ainda está dentro da tradição democrática brasileira – esse castelinho de pau-a-pique construído no improviso, com paredes de papelão, teto de zinco e aquele chão de estrelas imortalizado pelo sambão.

Antes de mais nada, minha esperança se baseia no que chamo jocosamente de Princípio da Incompetência Generalizada (PIG). Isto é, Bolsonaro é um presidente simples, atrapalhado, aqui meio perdido e ali meio deslumbrado – características que o tornam incompetente para bancar o Chávez tupiniquim.

E ainda bem, porque é necessário mais do que apenas ímpeto totalitário, retórica à la Figueiredo e nojinho pelas instituições para se dar um golpe de Estado. Até porque isso tudo Lula também tem. É preciso, por exemplo, capacidade de articulação e liderança e um carisma inquestionável para dar respaldo popular ao aspirante a ditador. A Bolsonaro, me parece, faltam essas coisas todas.

Volúpia do Oráculo

O outro argumento diz respeito às motivações por trás desse pessimismo político todo. E não, não estou sugerindo aqui qualquer tipo de motivação espúria. Me refiro a características triviais que nos tornam humanos com visões necessariamente diferentes do mundo. Como, por exemplo, o inegável prazer (emocional e intelectual) de se portar como um bem-sucedido oráculo.

Digamos que você faz uma dessas previsões políticas catastróficas. Aqui e ali, vai plantando as sementinhas de um medo que também é seu. Se o presidente aparece andando de moto, você recorre aos livros de história para falar de Mussolini. Se procura aconselhamento fora das instâncias burocráticas, forja expressões como “gabinete paralelo”. Se ele expressa desconfiança quanto à legitimidade do voto, você diz que ele está preparando a desculpa para o golpe.

Agora digamos que você esteja totalmente errado nesses apontamentos. O que você perde com isso? Absolutamente nada. As crises vão se sucedendo, os dias vão passando e os erros do oráculo vão sendo esquecidos. Mas se suas previsões se mostrarem corretas e Bolsonaro um dia vier a implantar um bolivarianismo verde-e-amarelo por aqui, ah, nesse caso seu capital emocional e intelectual dispara no livre-mercado das ideias.

Mas essa “volúpia do profeta” nem é o pior. O pior é que, assim que você faz uma previsão pessimista dessas, apostando alto na chance de chegar um dia em que poderá falar “eu avisei!”, você instintivamente começa a torcer para que sua profecia se realize e o chavismo imaginário passe a ser uma realidade contra a qual você seguramente vai lutar.

Prudência e mansidão

De minha parte, e apesar da voz irritante da pulga no ouvido (parece a Xuxa cantando “Ilariê”), tendo a me apegar a dois princípios. Primeiro, o da prudência. Observo muito, ouço mais ainda, leio menos do que gostaria e, quando tenho a oportunidade de perguntar, pergunto. E sobretudo cuido para que essa minha tendência ao otimismo esclarecido não se transforme em panglossismo.

Depois, o da mansidão. Porque, se for para fazer uma aposta mesmo, aposto minhas parcas fichas na capacidade de suportarmos o que quer que o futuro nos reserve, seja a fantasiosa ditadura bolsonarista de inspiração chavista, seja a ditadura disfarçada de democracia do PT. Afinal, e apesar da epidemia de indignação e ansiedade que assola todos os lados desse labirinto político, a verdade é que, como já disse um aforista bissexto, a história não está nem aí para o cotidiano.

* Este texto foi escrito ao som de “A Festa dos Insetos”, de Gilliard

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