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Polzonoff

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"Para nós, há apenas o tentar. O resto não é da nossa conta". TS Eliot.

Mundo, mundo, vasto mundo

O que significa a entrada de Moro e Dallagnol para a política

Dois dos principais nomes atrelados à Lava Jato, Deltan Dallagnol e Sergio Moro, dão a entender que disputarão cargos eletivos. Quais as implicações disso? (Foto: Fotos Públicas)

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Nessa nossa época de pensamento binário, maniqueísta e oito-ou-oitenta, toda análise sobre a postura de homens públicos, sejam eles o presidente ou o ex-juiz Sergio Moro ou o agora ex-procurador Deltan Dallagnol (e até do jogador Maurício Souza), tende a ser vista como uma sentença. As reflexões são vistas como uma reprimenda ou um estímulo. Como um cala-boca ou um vai-fundo. Quando, na verdade, esse tipo de reflexão não passa de infinitas e contemplativas reticências.

Dito isso, me permita voltar no tempo. Estamos no fim de 2018 ou começo de 2019. Muito antes, portanto, de Sergio Moro sair do governo, de a Lava Jato virar piada (sem graça) de salão e de a pandemia de Covid-19 revelar a fragilidade dos princípios liberais. Estou na companhia de um amigo hoje perdido para o antibolsonarismo psicótico. Conversamos sobre figuras públicas e a política como um caminho para a redenção.

Eu, com essa minha ingenuidade semipatológica e movido por algumas cervejas e a excelente carne-de-onça do finado Bar do Pudim, menciono o então recém-eleito deputado Alexandre Frota, cuja história de vida todos conhecem. E se Frota tiver entrado para a política por ver nela um caminho para a redenção?, pergunto ao interlocutor. Que faz carinha de nojo para minha ingenuidade (ou vai ver foi para um pedacinho de cebolinha que ficou preso nos meus dentes).

Volto ao presente para dizer que tenho essa mania, não sei se muito boa, de ver sobretudo os novos habitantes do pântano político como personagens em busca de redenção. No caso de Frota, ok, talvez tenha sido um exagero. Mas, a julgar pela reputação e pelas palavras de Deltan Dallagnol ao anunciar a saída do Ministério Público e o provável ingresso na política, no caso dele parece ser isso mesmo: alguém que acredita que a política é virtuosa na essência. E alguém que quer fazer parte dessa virtude.

Pessoalmente, e apesar da ingenuidade intencional e semipatológica, acredito que há outros meios de promover a virtude que não ocupando as entranhas do Leviatã. Pessoalmente, e apesar da ingenuidade intencional e semipatológica, não gosto do cheiro do pântano político. Pessoalmente, e apesar da ingenuidade intencional e semipatológica, vejo na política tentações que vão muito além da ambição financeira.

Por outro lado, reconheço que é preciso romper o pacto de cinismo que rege a política brasileira e, de alguma forma, precisamos aprender a confiar nas boas intenções alheias. E, quando falo em boas intenções, não estou falando daquele tipo de boa intenção que, segundo o dito popular, enche o inferno. Estou falando de boas intenções mesmo – isentas da arrogância de querer consertar o mundo (ou o país) na marra.

Senões, muitos senões

Os senões são muitos. A entrada na política dos dois principais nomes da Lava Jato reforça, por exemplo, a ideia de que o objetivo último de todo homem público neste país é um cargo eletivo. Será que exercer poder por meio do voto é a ambição máxima de nossos melhores nomes? Tenho dificuldades em entender as motivações alheias como algo que nasce desse desejo por poder e dinheiro. Mas vai ver o problema é comigo mesmo.

Outro senão relevante no campo simbólico tem a ver com o buchicho de que, perseguido por todos os lados, Deltan Dallagnol está procurando na política uma possibilidade de segurança jurídica. Em outras palavras, foro privilegiado. Seria de uma ironia infeliz que algumas das pessoas mais críticas desse privilégio aviltante estivessem tentando usar justamente esse privilégio para escapar de uma suposta campanha de vingança.

O senão mais evidente, contudo, está no fato de a entrada de Moro e Dallagnol para a política reforçar o discurso persecutório da esquerda, sobretudo dos petistas. Não à toa, todos os petistas que se manifestaram sobre o assunto ressaltaram o “caráter político” da Lava Jato. Teve até ministro do STF indo ao Twitter para dizer que “tudo convergia para um propósito claro”. Isto é, para Gilmar Mendes, a Lava Jato foi uma grande conspiração política para que Deltan Dallagnol e Sergio Moro se apoderassem do poder que eles “demonizaram”.

Não é de hoje, obviamente, mas o Brasil vive uma crise grave de confiança entre o cidadão e seus representantes. No final das contas, toda essa controvérsia quanto ao ingresso de um ex-procurador e um ex-juiz, ambos caçadores de corruptos, na política hardcore se resume a isso: há os que continuarão acreditando que entre nós circulam homens de boa vontade e os que insistirão na ideia de que a vida é um eterno embate entre os malandros e os otários.

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