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Lá estava eu no entediante, mas necessário, processo semanal de apagar e-mails. Spams de produtos que prometem curar a calvície, propostas tentadoras de príncipes africanos, tentativas patéticas de fazer com que eu digite a minha senha geral (que todo mundo sabe que é 123456) em sites fraudulentos, newsletters que não assinei (aliás, já assinou a minha?), releases de subcelebridades e seus feitos desinteressantes.
E, no meio disso tudo, um diploma legitimamente concedido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Acontece que, em algum momento de julho, achei que valeria a pena assistir às aulas do Festival do Conhecimento, realizado virtualmente entre 14 e 24 daquele mês. Me inscrevi. Mas, ocupado com outros afazeres e um tanto quanto cansado por causa de dois cursos antifascistas dos quais tive o questionável prazer de participar, deixei para lá.
Não há nenhuma denúncia a ser feita sobre a emissão do diploma, ainda que ele ateste falsamente que fui cumpridor de 40 horas das tais atividades complementares necessárias para a conclusão dos cursos de graduação. Afinal, a atividade cumpre os requisitos estipulados por um burocrata qualquer do Ministério da Educação – e estamos conversados. O que faria com essas 40 horas não cursadas, mas atestadas, seria uma questão para mim e minha consciência resolvermos.
O problema, aqui, é de outra ordem, predominantemente simbólica, mas com um quê do pragmatismo tosco tão em voga entre as pessoas que se acham capazes de controlar a realidade. O diploma revela que o curso em si e as bobagens que até Dilma Rousseff & Convidados certamente proferiram nele são consequências de um sistema educacional corrompido já em sua origem, quando Getúlio Vargas anunciou sua brilhante ideia: “Precisamos de um Ministério da Educação, tchê!”.
Palavra esquizofrênica
Educação é hoje uma palavra esquizofrênica, dessas que perdeu o contato com seu sentido original e que significa tudo, qualquer coisa e absolutamente nada. E, apesar de louca e perdida, ela continua a nortear não só a vida muito concreta das pessoas como também os rumos do país. Tanto é assim que os brasileiros, enquanto sociedade, há algum tempo decidiram dedicar 10% do PIB para a educação. É como se batêssemos no peito, nos vangloriando da certeza de que o futuro depende desse maná misterioso chamado “conhecimento”.
As pessoas se arvoram todas para se dizerem “portadoras de educação superior”, quando no máximo são “portadoras de instrução formal superior”. É importante perceber a diferença. Educação, no sentido de uma busca insaciável pelo conhecimento e sabedoria, independe da instrução formal. Independe de diplomas. Independe até da presença de um professor ou mestre. A instrução formal, por sua vez, é isso o que a gente tem aí: uma espécie de Detran criado para atestar que você é capaz de erguer um prédio, operar um doente, corrigir uma injustiça, plantar hectares e mais hectares de soja e escrever uma redação com relativa segurança.
Na verdade, a educação hoje não passa de um cursinho sindical de luxo. Você frequenta as aulas de medicina, direito, engenharia, letras e até jornalismo não para aprender esses ofícios todos muito nobres, muito menos para descobrir qual seu lugar no mundo. Você cursa uma universidade para, dali a 4 ou 5 anos, obter a permissão de ingressar numa espécie de guilda esclarecida e assim, com o máximo de sorte e mínimo de esforço, garantir o próprio sustento.
Daí porque temos, por exemplo, juízes da Suprema Corte com dezenas de diplomas, milhares de horas-aula, sólido conhecimento jurídico – e ainda assim muitas vezes incapazes de perceber uma injustiça clara diante dos olhos. Daí porque temos cientistas com diploma de Yale incapazes de perceber a extensão de suas palavras. Daí porque temos médicos defensores do aborto e da eutanásia. Daí porque temos jornalistas incapazes de reportar que o céu é azul.
O diploma que recebi mostra que a instrução formal e tudo o que a cerca (e a despeito dos discursos bem-intencionados, das histórias de superação e da esperança de que as gerações futuras saibam, de uma vez por todas, que 2 + 2=4) não passam de uma engrenagem burocrática enferrujada, um motor de Opalão consumidor de recursos escassos e, hoje mais do que nunca, uma prensa revolucionária a forjar militantes descerebrados.
E, por mais estranha que possa parecer a frase e a conclusão, é a educação, e não a instrução formal, o que um dia, talvez, quem sabe, tomara tornará o Brasil um país mais habitável e sobretudo menos hostil.
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