Mal os copos tocaram a mesa, levantou-se a voz de alguém propondo a pergunta que dá título a este texto: o que você faria se fosse ditador do Brasil?| Foto: Bigstock
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Na mesa do bar. A conversa animada de repente deu um cavalo de pau e se tornou grave. Sem o compromisso do argumento por escrito, e dispondo de um sem-número de expressões faciais para apontar a ironia e a sem-cerimonice da discussão, falávamos de golpes & contragolpes. Até que um estranho se aproximou e disse: “Melhor os senhores não falarem disso aqui. O STF pode estar ouvindo”.

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A mesa irrompeu em gargalhadas etílicas. Mas, coincidência ou não, depois que o estranho se afastou, pairou sobre os convivas o silêncio. Um silêncio temeroso, como se pudesse haver um fundo de verdade no que disse o estranho. E não há? Coube a mim, palhaço sem maquiagem nem cabelos, propor um brinde debochado ao ditardorzinho que habita cada um de nós.

Mal os copos tocaram a mesa, levantou-se a voz de alguém propondo a pergunta que dá título a este texto: o que você faria se fosse ditador do Brasil? É uma pergunta mais difícil do que parece. Porque, para respondê-la, é preciso reconhecer que todos temos essa porçãozinha não lá muito virtuosa que deseja moldar a realidade de acordo com suas (nossas) vontades. Na vida cotidiana, essas vontades são mediadas pelo superego. Que aqui, para efeitos retóricos, está de férias. Ou melhor, no exílio.

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O primeiro a responder foi o Carlinhos. Ousado como nunca, ele esperou a atenção da mesa inteira antes de se dirigir a uma das moças presentes e anunciar: “Se eu fosse ditador do Brasil, faria de você primeira-dama. Na hora!”. A moça enrubesceu, como sói na vida, na crônica e nos livrinhos de banca para donzelas. A mesa inteira ficou na expectativa de um desfecho ultrarromântico que, no entanto, não ocorreu. Em parte porque Augusto, sentado ao lado do Carlinhos, resolve dar vazão ao seu lado ditador.

“Se eu fosse ditador do Brasil”, disse ele, fazendo uma pausa longa demais. Tão longa que acho que esqueceu o que pretendia falar. Mas não. “Se eu fosse ditador do Brasil, puniria com prisão perpétua motoqueiros que andam com o cano de escape furado. E com quem anda de carro com música tocando no último”, disse. Antes que ele, encarnando o ditador imaginário, substituísse a pena perpétua pela pena de morte, achei melhor perguntar a outra pessoa o que ela faria se tivesse poderes plenos e ilimitados.

Foi a vez de a Ana se manifestar. Tímida, ela bebericava em silêncio seu oitavo ou nono chope. “Se eu fosse ditadora do Brasil, obrigaria todo mundo a fazer meditação antes de falar de política”, disse ela, com aquela certeza ébria de quem sabe que não se lembrará de nada disso no dia seguinte. A gente riu, porque a Ana é assim mesmo e ainda por cima faz uma Nutella caseira que é coisdiloco.

Como ninguém ali expressasse quaisquer ímpetos assassinos, a conversa prosseguiu animada. Cada qual expondo suas idiossincrasias. André disse que obrigaria os homens a voltarem a usar terno e gravata. Guta disse que proibiria exposições de arte contemporânea. Luciana disse que proibiria os nomes Enzo e Sofia. E o Leonardo, bom, o Leonardo anunciou que estava na hora de voltar para casa. Leonardo é casado com uma mulher muito braba.

Tratativas

Quando chegou a minha vez, me levantei e, em meu primeiro ato como ditador do Brasil, obriguei todos os presentes a brindarem em minha homenagem, dizendo “Nós o adoramos, ditador Paulo”. Uma vez feita a homenagem devida, me sentei, o nariz um tiquinho mais empinado do que o normal, e anunciei os Atos Institucionais que considerava mais urgentes, ainda mais levando em conta a situação atual de tensão entre os poderes, coisa e tal.

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O primeiro e mais importante deles: a proibição total do uso indiscriminado de ponto e vírgula; ainda mais por quem não sabe usar; e fica assim usando o ponto e vírgula que bem poderia ser substituído por um ponto ou vírgula. “Mas você odeia tanto assim o ponto e vírgula?”, me perguntou alguém. Foi você, Guta? Ao que respondi que não odeio. “Mas é meu jeitinho”, disse, invocando as sábias palavras de um tirano romeno cujo nome me escapa.

Ao ver todas aquelas pessoas queridas me encarando como se eu tivesse falado uma bobagem, achei de bom tom me impor. “E quer saber?”, perguntei retoricamente para uma plateia que já tinha voltado a atenção para seus copos de chope. “Construiria uma penitenciária de segurança máxima para quem usasse mesóclise”. Fiquei à espera de um protesto da Ana, fã das mesóclises, mas a essa altura ela estava ocupada jogando Jenga com a porção de batatas-fritas.

Por fim, vendo meu poder se esvair, resolvi subir o tom. Bati na mesa (sim, machuquei a mão!), me levantei, gritei “silêncio!” para um bar que me ignorou e, finalmente, dei vazão aos meus instintos realmente tirânicos. “E um paredão!”, disse, na esperança de me fazer novamente ouvido. Ora, todo mundo gosta de um paredão, não é mesmo? “Toda semana eu mandaria para o paredão uma palavra. A primeira delas seria ‘tratativa’. A segunda, ‘performar’”, esclareci, para a decepção de todos.