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"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

Carta ao leitor #10

O saudosismo ditatorial de Alexandre de Moraes: “Éramos felizes e não sabíamos”

ALEXANDRE DE MORAES SAUDOSISMO SENADO
Alexandre de Moraes visita o Senado ao lado do seu fidelíssimo escudeiro, Rodrigo Pacheco: "Éramos felizes e não sabíamos". (Foto: Geraldo Magela/ Agência Senado)

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Caro leitor,

Foi uma semana e tanto, essa que passou. Mas não são todas as semanas assim – e há muitos anos? Ora, se teve até gente levando morto ao banco para pegar empréstimo. E o mais importante para nós aqui neste espaço: teve Alexandre de Moraes percebendo a enrascada em que se meteu e apelando para o que vou chamar de “saudosismo ditatorial”. Mas será que éramos mesmo mais felizes antes de as redes sociais esfregarem na nossa cara, todos os dias e o tempo todo, a realidade árida e corrompida em que vivemos?

Enquanto você vai pensando aí, me permita evocar Dante Alighieri, que no inferno da sua “Divina Comédia” incluiu um casal de amantes condenado para sempre a se lembrar dos momentos de prazer carnal e ilícito que viveram juntos. Tá lá no canto V, a partir do verso 121:

E ela a mim: “Não há tão grande dor
qual da lembrança de um tempo feliz,
quando em miséria, e o sabe teu mentor.


Alexandre de Moraes que, a exemplo dos adúlteros Paolo e Francesca, traiu a democracia a quem um dia jurou fidelidade na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza – até que a censura nos separe. Mas que em algum momento se deixou seduzir pelos encantos do próprio poder, da própria vontade, e agora está aí, cheio de um saudosismo cafona, com ares de ludita (aquele povo que era contra os avanços tecnológicos no começo do século XIX).

O interessante da fala do ministro é que ela revela o quanto Alexandre de Moraes é intelectualmente limitado. É dentro desse limite muito estreito, dessa compreensão minúscula do mundo e da vida, que ele atua. Ressalto isso porque a gente muitas vezes se porta como se estivesse falando com uma sumidade cheia de diplomas que na teoria (e bota teoria nisso!) atestam seu elevado saber, quando na verdade estamos diante de um homem diminuto, tosco mesmo, e que só chegou onde chegou porque pegou os atalhos para o sucesso mundano.

Entende agora por que Alexandre de Moraes tem que usar caixa alta, negrito e muitos pontos de exclamação para se fazer ouvido em suas próprias decisões? Porque a ele faltam recursos mais sofisticados. É por isso também que, nas decisões divulgadas pelo Congresso dos EUA, não se encontra nenhuma fundamentação jurídica para as ordens de censura. Ele sabe que o que faz é errado e não tem justificativa para impor uma vontade que, no fundo, ou nem tão no fundo assim, não passa de banzo. Saudade.

Ê tempo bão aquele em que nossa memória prefere viver, fazendo questão de se esquecer das coisas ruins e exagerando as coisas boas. É uma espécie de paraíso perdido, esse Brasil d’antanho em que Alexandre de Moraes e os defensores da democracia de araque preferem viver. Um paraíso sem contestação ou oposição, onde prevalecem os conchavos e a corrupção jorra de um chafariz no meio de uma rua calçada com leis autoritárias.

Dito tudo isso, confesso que às vezes também me deixo levar pelo canto das sereias na Ilha do Saudosismo. Mas sempre acaba em desastre e, quando percebo, já estou me afogando no mar revolto do ressentimento. Porque não posso voltar no tempo e, se voltasse, é improvável que reconhecesse uma felicidade supostamente maior do que a do presente. Que Alexandre de Moraes queira se afogar na areia movediça da nostalgia, o problema é dele. O que ele não pode fazer é impor a todo um país essa idolatria infantil de um passado que está bem longe de ter sido essa perfeição toda.

E, no entanto, sou forçado a encerrar esta carta dando razão ao ministro. Antes era melhor. Não antes das redes sociais. Me refiro a um tempo anterior ao fatídico dia 22 de março de 2017, quando tomou posse no Supremo Tribunal federal um sujeito que pregava a liberdade, mas praticava a censura; que pregava a democracia, mas praticava a ditadura; que pregava a primazia do Estado de direito, mas praticava o voluntarismo autoritário de um Dom Quixote de toga. Enfim, um hipócrita de quatro costados.

Nossa, esta carta saiu revolts. Fico por aqui. Um abraço do
Paulo.

P.S.: Você talvez não acredite. Mas, quando me sentei para escrever, tinha em mente um passeio por um tempo pré-redes sociais. Tempos de ICQ, blogs, caixas de comentários de blogs, salas de bate-papo do UOL e disputados convites para entrar para o Orkut, entre outras esquisitices próprias daquele tempo em que “éramos felizes, mas não sabíamos”.

P.P.S.: Para os que me xingaram por eu ter dito que “1984” é nocivo e só beneficia quem está predisposto a terceirizar nossa miséria interior, aqui vai um trecho interessante que, não é por nada não, talvez mostre que você já se submeteu ao poder controlador do Estado, e nem percebeu:

O mais horrível sobre os Dois Minutos de Ódio era que ninguém estava obrigado, mas era impossível não fazer parte daquilo. Em trinta segundos, ninguém mais precisava fingir. Um prazer abjeto de medo e desejo de vingança, de matar, de torturar, de destruir à base de marretadas, parecia fluir pelo grupo como corrente elétrica, transformando todos, mesmo contra sua vontade, em lunáticos histéricos. E ainda assim a raiva que se sentia era uma emoção abstrata e indireta, que podia passar de um alvo a outro, feito a chama de um maçarico.

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