Ao impor sanções ao indultado deputado Daniel Silveira, Alexandre de Moraes aprontou de novo. E de novo ao anular decretos do presidente que reduziam nossa pornográfica carga tributária. E é possível que esteja aprontando neste exato momento. Assim como é provável que ele venha a aprontar muito até 2043, quando os brasileiros soltarão um suspiro de alívio ao vê-lo pendurar a toga.
Toda essa arrogância desenfreada costumava me deixar indignado, mas era engraçada. Eu ria do ministro do STF como quem ri do arquetípico idiota da aldeia. Tinha graça ver o ministro se atrapalhar com a hermenêutica e tropeçar nas cordas da vaidade com aqueles sapatões de palhaço. Nada mais ridículo do que um reizinho tentando impor sua vontade. Nada mais patético do que ver um homem usar palavras difíceis para saciar uma obsessão mais digna dos consultórios de psiquiatria do que dos altos tribunais.
Agradeço ao ministro Alexandre de Moraes e seus asseclas por inspirarem várias sátiras e paródias. E por renderem boas risadas. E aqui vale uma confissão: vocês não têm ideia dos absurdos que imaginei e até escrevi, mas não publiquei: insultos que rimavam com cicuta, historietas que apelavam para o humor discutível de trocadilhos grotescos, coisas assim. Às vezes tenho mais imaginação do que juízo. Ainda bem que conto com um superego razoavelmente calibrado e um editor que pode até rir do manuscrito, mas jamais deixaria o mau gosto ganhar o mundo.
Torta na cara
Mas agora devo dizer, nem que seja para me contradizer amanhã mesmo, que a piada já está perdendo a graça. Isso acontece sempre que o absurdo vira rotina. Sempre que a vaidade tola, perversa e arbitrária se torna óbvia. Hoje mesmo, segunda-feira, dia 9 de maio de 2022, é possível prever, sem medo de errar, que ao longo da semana, ou no mais tardar até o fim do mês, o STF jogará mais uma torta na cara da sociedade. A dúvida é só quanto ao recheio. Quem é que ainda consegue rir disso?
O que me lembra a famosa cena da novela “A Guerra dos Sexos” em que Paulo Autran e a agora imortal Fernanda Montenegro travam uma tradicional batalha de comida. Cresci ouvindo críticos elogiando a cena como um grande momento da teledramaturgia brasileira. Nunca entendi direito o fascínio que a imagem desperta. Porque só conseguia pensar na dificuldade que seria limpar o cenário depois de encerradas as filmagens.
Na casmurrice de uma tarde de domingo, pergunto: quem limpará a baderna da guerra de poderes que vivemos? E mais: há um meio democrático de limpar o cenário de tantas trapalhadas? Sem querer soar muito pessimista, tenho cá para mim que já é tarde demais: o mármore do Olimpo, digo, STF estará para sempre manchado com os resquícios desta que deve ter sido a primeira piada contada depois que o homem foi expulso do Paraíso: “já ouviu aquela do homem que queria se igualar a Deus?”.
Se há saída – e ainda por cima democrática, republicana, constitucional – eu não sei. Tem dia que acho que sim, tem dia (hoje) que acho que não. O que não dá para imaginar é os bobos da corte balançando lá seus entediantes guizos por mais duas décadas, nos obrigando a rir de mais uma pirueta, mais um tombo, mais uma torta na cara do rei.
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