Foi ali no cafezinho do Supremo Tribunal Federal que o ministro Kassio Nunes, o caçulinha da turma, teve a ideia de fazer o amigo secreto. Cármen Lúcia logo o corrigiu, dizendo que o correto era amigo oculto. Teve início, então, uma pequena e morna discussão, encerrada depois que o presidente da casa, ministro Luiz Fux, brincou dizendo que levaria a questão a plenário. Todos riram da piada do chefe.
Por 10 votos a 1 (Marco Aurélio Mello nunca decepciona), os ministros concordaram com o amigo secreto/oculto. A dosimetria dos presentes ficou estabelecida em meros R$10 mil. “Mas, amiúde a generosidade dos egrégios colegas, pode ser mais. Ou menos”, disse o ministro Gilmar Mendes, numa tentativa de humor. Conhecido por exigir até um centavo de troco na padaria, Mendes era o terror do supremo amigo secreto.
Rapidamente Kassio Nunes chamou um capinha, que providenciou uma licitação a jato para a compra de papeizinhos com filetes de ouro. Também foi contratado um calígrafo e um doutor em Agitação de Saquinhos formado pela Universidade de Coimbra. Depois de o calígrafo desenhar em cafonas letras góticas douradas os nomes dos ministros, os papeizinhos foram dobrados segundo as normas da ABNT e jogados dentro do saquinho por ordem de senioridade.
Antes do sorteio, os ministros se perfilaram para cantar o Hino Nacional. Ao ficar sabendo da realização do supremo amigo secreto, a bancada do PSOL entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade, evocando o artigo da Constituição que veda o anonimato, a desigualdade social, a Convenção de Genebra ou algo assim. Marco Aurélio ficou como relator da ação, o que pôs a brincadeira em risco. Mas, como gosta sempre de surpreender, o ministro dos eles pronunciados com a língua no céu da boca indeferiu a ação.
Kakay, o advogado das estrelas, que por acaso estava ali perto, bem à vontade, trajando suas icônicas bermudas, peticionou diretamente o ministro Gilmar Mendes, argumentando que, diante da intimidade que desfrutava com os ministros, também tinha o direito de participar da brincadeira. Com algum constrangimento, Gilmar Mendes negou o pedido do super esquire.
Por ordem inversa de senioridade, os ministros sortearam seus amigos secretos. Pelo olhar do ministro Dias Toffoli ao abrir o papelzinho já deu para ter uma ideia de quem ele tirou, né, Alexandre de Moraes? Ou será que não? Fux fez uma cara de muxoxo. Ou talvez nem tenha feito, mas é tão bom escrever “muxoxo”. E Lewandowski pediu vênia aos colegas para dizer que não era possível entender o nome escrito. Mas logo percebeu que o papel estava de ponta-cabeça.
Ainda naquela noite, a bordo de seu carro oficial, o ministro Marco Aurélio confidenciou ao motorista concursado que considerava o supremo amigo secreto uma afronta à isonomia entre os poderes, um desperdício de recursos públicos e uma infantilidade indigna da mais alta corte do país. Afinal, no Olimpo nunca teve essas jeguices. “Mas diz aí, seu doutor, quem foi que o senhor pegou?”, perguntou o motorista, todo empolgado.
“Isso é um segredo de Estado!”, esbravejou Marco Aurélio, fingindo-se ofendido. De si para si, contudo, e recostando-se no conforto do carro, admirando as luzes de Natal qual João de Santo Cristo, ele pensou que precisava se certificar de que sua assinatura da Gazeta do Povo estava em dia para ler a coluna de Paulo Polzonoff Jr. amanhã.
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