O espírito revolucionário afeta a vida de todo mundo que, de alguma forma, tem as ações reguladas pelo Estado.| Foto: Bigstock
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Era para ser um texto engraçado. Com referências carnavalescas que apontariam, primeiro, para a zombaria generalizada com que nós, brasileiros, costumamos achar que resolvemos nossos problemas políticos. Eu convidaria o leitor a imaginar uma colorida escola de samba cujos carros alegóricos e alas retratassem o espírito golpista em que vivemos. E tudo culminaria com uma versão para um famoso samba-enredo da dupla Hermes & Renato.

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Desde os tempos mais primórdios
O Supremo tá aí (aí, aí)
Com um golpe ele domina
A mentira dissemina
Na Sapucaí

Mas não deu. Porque o espírito golpista, ou melhor, revolucionário que tomou conta das instituições brasileiras é coisa séria. Mete medo. Atrapalha a vida das pessoas. Interfere até nas relações interpessoais. E não me refiro, aqui, somente aos que, por obrigação profissional ou vício, têm que acompanhar o que dizem o Presidente, deputados, senadores e ministros do Supremo Tribunal Federal. Não! O espírito revolucionário afeta a vida de todo mundo que, de alguma forma, tem as ações reguladas pelo Estado.

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Em se tratando de uma revolução progressista, como a que parece estar em curso, tanto pior. Porque esse tipo de revolução parte do pressuposto de que as instituições e os homens que as comandam sabem o que é melhor para as pessoas e o Estado. Para a tal da sociedade. Elas esmagam o indivíduo tirando dele a capacidade de tomar decisões. Em outras palavras, eles destroem a alma do indivíduo, transformando-o numa pecinha de uma engrenagem maior.

O que mais me espanta – e daí a minha incapacidade hoje de rir e fazer rir – é a facilidade com que as pessoas abrem mão de bens tão preciosos, como a liberdade. Mas elas não fazem isso em troca de nada. Não. Trata-se de uma barganha – e uma barganha das mais estúpidas que o ser humano é capaz de fazer. O homem comum abre mão da liberdade quando acredita que isso significará não ter que tomar as decisões difíceis que certamente lhe ocorrerão ao longo da vida.

Sem falar que a obediência sempre rende pontos com os outros obedientes. Esta é uma das cruzes do homem livre: arcar com a solidão que é consequência inerente do exercício da liberdade. O homem livre é sobretudo um pária. E ao ver muitos ao meu redor se curvando ao arbítrio, compreendo por que eles optam por isso. É tão mais fácil que chega a ser prazeroso.

Na conjuntura atual, é como se legássemos às forças revolucionárias, aos consequencialistas, a função de decidir não só quem é o melhor nome para liderar essa nau ingovernável à qual se dá o nome genérico de “Brasil”. É como se déssemos a 11 iluminados e um punhado de outros políticos a honra de decidir sobre coisas como nossa fé e a forma como ensinamos e o que ensinamos a nossos filhos e de planejar o nosso futuro.

Da fantasia carnavalesca, portanto, não resta outra coisa que não a depressão apoteótica dos que chegam ao fim do desfile com as vestes rasgadas, o pé sangrando e a alma voluntariamente entregue aos vícios hedonistas. Nessa imagem triste do folião tendo que se defrontar com a realidade fria e silenciosa de suas escolhas, imagem essa que bem poderia ter sido pintada por William Turner, se sobressaem as palavras de um poetinha corcunda e que vive feliz num refúgio de semiesperança resignada:

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Há dias nos quais os olhos
Se grudam ao chão.
Hoje sim. Amanhã não.