O presidente Jair Bolsonaro chorou durante um evento público de apresentação dos oficiais-generais das Forças Armadas. Ao ver as imagens, curiosamente não me passou pela cabeça que fosse um choro fingido. Um "choro de político". Ainda mais porque o choro demonstra uma fragilidade inconcebível para aquele que muitos insistem em considerar líder em potencial de um golpe ou contragolpe que ocorrerá até dia 1º. de janeiro de 2023.
Na hora pensei em depressão, porque já sofri desse mal e acho (só acho) que sou capaz de reconhecer um choro deprimido. O detalhe está no esforço que o deprimido faz para tentar conter as lágrimas e, assim, não ser visto como fraco. Ao mesmo tempo, as lágrimas se acumulam como se implorassem ajuda. Há uma diferença entre fraqueza e vulnerabilidade – e, numa depressão, é como se as lágrimas soubessem disso e quisessem esconder a fraqueza e exibir a vulnerabilidade.
Deixando de lado a poesia psiquiátrica, logo me veio à mente a necessidade de escrever sobre o assunto. Mas para quê? Só para me deparar com a indiferença, o desrespeito, o nojo com que algumas pessoas encaram aquele que chamam jocosamente de “ex-presidente em exercício”? Só para ser xingado? É, não adianta. As águas são outras, diferentes daquelas nas quais se banharam os cronistas de um tempo que se costuma chamar d’antanho, quando era possível contemplar (contemplar!) um ser humano que por acaso é ou foi presidente.
Hoje aos cidadãos interessam pouco ou quase nada as semelhanças entre eles e as autoridades que os governam – isto é, suas qualidades e defeitos, acertos e erros, virtudes e vícios. Aos cidadãos interessa mais venerar as autoridades como se fossem ícones do Leviatã, aos quais eles se submetem docilmente. Ao que parece, assim é mais fácil julgar e condenar sem ter que se dar ao penoso trabalho de se olhar no espelho.
Para mim, o choro de Jair Bolsonaro responde a duas perguntas recentes e, de brinde, ressalta o contra-argumento que mais usei nos últimos quatro anos, sempre que alguém me dizia que o presidente era um monstro fascista machista homofóbico insensível etc. – ou um mito capaz de transformar o Brasil ora num paraíso liberal, ora numa nação moralmente próxima da perfeição. Ah, e o choro também desperta minha mais profunda preocupação com o presidente - como indicado no título deste texto.
Insuportavelmente humano
Um pouco antes do segundo turno das eleições, cogitei algumas possibilidades para a incrível calma que Bolsonaro demonstrava nos comícios, entrevistas e debates. Uma calma que não era compartilhada por seus apoiadores. As alternativas eram amadurecimento, fé ou remédio. Mas as lágrimas presidenciais apontam para uma quarta possibilidade: o autoengano. A verdade é que, apesar de todo o papo sobre o voto auditável, de todas as pesquisas sem credibilidade e de toda a perseguição vergonhosa da imprensa militante e do TSE, Bolsonaro acreditava mesmo na vitória sobre Lula.
Se essa crença se baseava na fé em Deus, na intuição ou nos conselhos pouco sábios dos puxa-sacos que costumam orbitar as autoridades, protegendo-as da realidade (a mesma coisa acontece no STF, pode reparar), não sei. E, só porque analisar as escolhas alheias exige que se olhe um pouco no espelho, talvez o presidente acreditasse tanto na vitória porque a alternativa era cogitar a possibilidade de uma maioria preferir um ex-presidiário a ele, Bolsonaro.
A outra pergunta fi-la (porque qui-la) num texto sobre o silêncio de Bolsonaro. Um silêncio que permanece e que os ESMs (Esperançosos de uma Saída Mágica) interpretam como estratégia, xadrez 4D ou Sun Tzu. Não é. No referido texto, proponho três explicações para o silêncio do presidente: a já citada estratégia, a resignação e a depressão. O choro me leva a crer que a opção mais humana é a certa. Isto é, Bolsonaro não fala porque está deprimido. Sabe que perdeu. Sabe que não tem apoio para uma virada de mesa. Sabe que pode ser preso.
Por fim, o choro de Bolsonaro ilustra algo que venho dizendo há anos em mesas de bares, conversas de família e discussões de trabalho, sempre que alguém quis me convencer de que Bolsonaro era um monstro ou o Messias. E agora, prestes a escrever o que vou escrever, me dou conta da obviedade chestertoniana da sentença que se seguirá aos dois pontos: Bolsonaro é humano. Insuportavelmente humano.
E aí é que mora o perigo. Porque é próprio de um mito ou messias transcender o sofrimento, fazendo de sua vida fantasiosa uma alegoria dos vícios e virtudes que traz em seu cinto de utilidades. Enquanto do ser humano o normal é que ele sucumba às paixões. Traduzindo: depois do choro deprimido de Bolsonaro, já não temo que ele dê um golpe ou atente contra esse simulacro de Estado Democrático de Direito que Alexandre de Moraes defende com unhas e dentes. Temo que Bolsonaro faça de si mártir de uma guerra perdida.
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