Conversando sobre o monotema “vacinas” com uma amiga, percebi o tamanho da minha ingenuidade – que alguns chamam de idiotia e eu não tô nem aí. Ainda em 2020, quando surgiram as primeiras notícias sobre o desenvolvimento de vacinas (a bola da vez era a Sputnik V), disse que aceitaria qualquer imunizante capaz de pôr fim à pandemia. Imaginava que meu texto encontraria aceitação - ledo e ivo engano. Que todos nós daríamos as mãos (ao som de “Imagine”) e confiaríamos na capacidade de nossos semelhantes para acabarmos de uma vez por todas com essa porcaria de doença. Me enganei: a sina de todos os ingênuos, idiotas e afins.
Talvez porque naquela época eu estivesse especialmente feliz. Digo, ainda estou feliz. Ou melhor, sou feliz. Mas “especialmente feliz” é uma coisa à parte. Essa felicidade extraordinária depende de um conjunto de fatores – incluindo aí o tão difamado imponderável. Minha memória é falha, sempre falha, mas se fecho os olhos um pouquinho sou capaz de me lembrar da sensação boa, ainda que enganosa, de fazer parte de um mundo que unia esforços para se livrar não só do vírus, mas também das restrições autoritárias e do medo da morte.
Naquela época, apesar de um ou outro ruído sussurrado ou um ou outro comentário antivacina dito de forma jocosa, jamais imaginava que em 2022 estaríamos nos digladiando assim. Fracassei, ah, se fracassei. No meu delírio otimista, imaginava que conservadores e liberais expressariam fé no poder de cooperação do ser humano ao desenvolverem rapidamente uma vacina que impediria o colapso possivelmente causado por uma série de lockdowns. E que apenas esquerdistas, motivados por ambições espúrias, sairiam por aí acusando a indústria farmacêutica de ganância e o governo de irresponsabilidade na condução da campanha de imunização.
Meu castelinho de cartas a muito custo erguido começou a desmoronar assim que fui levar meus pais para se vacinarem num espaço que a prefeitura de Curitiba ousou batizar de “pavilhão da cura”. Da cura! Daí veio o uso político da vacina pelo governador de São Paulo, João Dória. E a CPI da Covid. E o Supremo Tribunal Federal todo animadinho em seus sonhos totalitários. Vieram ainda o passaporte vacinal e mais um capítulo da politização da ciência. Dados foram abandonados e substituídos por dogmas, quando não por frases de efeito. Até a vacinação de crianças, grupo para o qual a Covid-19 representa um risco ínfimo, passou a ser convenientemente considerada uma questão urgentíssima.
A ciência, que sempre tratei com carinho e respeito, me abandonou. A possibilidade de atingirmos a famosa “imunidade de rebanho” desapareceu do debate público. Não há respostas satisfatórias para a probabilidade ou não de reinfecções. Também dados sobre grupos etários de maior e menor risco e comorbidades associadas à letalidade simplesmente sumiram. As vacinas, por sua vez, passaram por uma curiosa metamorfose retórica-científica – para pior. No começo, o discurso era de que elas garantiam a imunização total das pessoas. Depois, deixaram de ser uma garantia de que a pessoa não se infectaria para se tornar uma garantia de que o infectado não morreria. Hoje acordo no meio da noite para perguntar ao quarto escuro: para que servem de fato essas vacinas?
Com o passar do tempo, meu otimismo ingênuo deu lugar à confusão. E é nesse inferno que me encontro hoje. Aproxima-se (uau, uma ênclise no meu texto!) o dia em que eu deveria tomar a 3ª dose da vacina contra a Covid-19, o chamado booster. Olha só que chique. E, veja bem, continuo acreditando na capacidade de mobilização do ser humano. Continuo acreditando na boa fé das pessoas que desenvolveram as vacinas. E até concordo (numa concordância pessoal, intransferível e nada inflexível) que o caráter emergencial das vacinas justifica alguma pressa.
Mas se eu antes não tinha certeza de nada, hoje menos ainda. Não sei se quero tomar o booster. Não sei se devo. Não sei nem se, aos 44 anos e com o coração cansado de tantas batalhas perdidas para amores adolescentes não realizados, posso. Pior: não sei se a 3a dose fará qualquer diferença na minha imunidade contra essa partícula traquinas de olhinhos puxados. Sincera e humildemente, não sei.
Por isso, num ato de ousadia, e reforçando o mote que ainda me faz acordar todos os dias ansioso por preencher a página em branco (o mote de que jamais subestimo meus leitores, mesmo quando “apanho” depois de oferecer a eles um lugar à mesa e cerveja gelada ), venho por meio desta e mui respeitosamente perguntar se devo ou não tomar a 3ª dose da vacina.
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