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Caro leitor,
Estava aqui pensando no que escrever hoje e por muito pouco não caí na besteira de ficar me lastimando, seja porque é difícil escrever humor, seja porque ninguém gosta de mim, seja porque está frio, seja porque acabei de pagar um DARF... ah, sei lá! Dependendo do dia, das marés, da lua, da conjunção dos astros e da fome, a gente sempre encontra algum motivo para se lamuriar, não é mesmo?
Aí vi imagens de cortar o coração já dilacerado. Porque Alexandre de Moraes, sempre perverso, sempre sádico e nunca, jamais, nevah-evah comprometido com qualquer coisa remotamente parecida com Justiça, autorizou a prisão de duas centenas de pessoas, praticamente todas idosas ou em vias de conseguir aquela plaquinha de estacionamento preferencial. Eram manifestantes, baderneiros ou, a meu ver, vítimas do 8/1. Gente que caiu na lábia de líderes mal-intencionados ou burros o suficiente para insuflarem a ideia de que Lula é um presidente ilegítimo e jamais deveria ter tomado posse - e que a força do povo faria diferença.
Mas o pior nem é isso. Digo, para os presos talvez a prisão seja de fato o pior. Ainda mais na velhice. Para nós que ainda podemos gozar de algo cada vez mais remotamente parecido com liberdade, porém, o pior é constatar que corremos cada vez mais perigo. Porque tem muita, muita, muita gente aplaudindo aquilo que novamente chamarei de perversidade & sadismo – porque é mesmo.
Essa tal de “muita gente” acredita que houve de fato uma tentativa de golpe levada a cabo por revolucionários de bengala desarmados, ou melhor, munidos apenas da indignação por ver um ex-presidiário tomando posse como presidente depois de um processo eleitoral, digamos, pouquíssimo transparente. Por consequência, essa “muita gente” acredita que os participantes dessa tentativa de golpe merecem apodrecer nas masmorras do Estado.
“É só uma minoria!”, me diz você, iludido como todo otimista (me identifico). Talvez, mas é uma minoria ruidosa, munida de um senso muito deturpado de sucesso. E é essa suposta minoria aí que alimenta o furor persecutório de um ministro completamente despreparado para se livrar das armadilhas do próprio ego. Um ministro que já mostrou que é incapaz de resistir à tentação do poder absoluto, com sua promessa infeliz de perversidade, sadismo e injustiça. Um ministro para o qual os fins justificam, sim, os meios – não tem nem o que discutir.
Há, contudo, outro aspecto que vale mencionar aqui. Ainda que sejam minoria, os alexandretes exibem um desejo de se submeter à autoridade, uma pulsão de escravidão que é, na melhor das hipóteses, assustadora. Mas não chega a ser novidade. Vimos algo parecido durante a pandemia. E é uma pena terem vulgarizado tanto as comparações com o nazismo, mas o que a gente tem no Brasil hoje chega bastante perto daquilo. Pelo líder caricato? Também. Mas sobretudo por aquela vontade de estar do lado vencedor e de gritar “perdeu, mané!”, mesmo que essa vitória esteja sendo construída sobre bases imorais e cruéis. Imorais porque cruéis, desprovidas de qualquer racionalidade, bom senso e misericórdia.
Duvida? Então dê uma voltinha pelas redes sociais. Procure pelas publicações da Gazeta do Povo que divulgam a minha produção em texto ou vídeo, e veja com seus próprios olhos o denuncismo, a vontade de aniquilar o “inimigo” e atente principalmente para o desejo de estar do lado que pode até não ser o certo, mas é, por ora, o vencedor. O que essas pessoas acreditam que lhe garantirá ganhos financeiros, emocionais e sociais. Vai. Pode ir que eu te espero.
(...)
Não disse?
Fico por aqui, pedindo desde já perdão pelo tom lúgubre desta carta. É que tem dia que não dá para ignorar que há quem se confraternize na perversidade e zurre de prazer ao admirar o sofrimento alheio. Se serve de consolo, porém, deixo aqui minha certeza de que uma hora os ventos mudarão. E, quando isso acontecer, será a nossa vez de mostrar que somos melhores do que eles.
Um abraço do
Paulo
[Esta coluna é uma reprodução da carta que chega à caixa postal dos assinantes toda sexta-feira. Se você ainda não se inscreveu, lá em cima, logo depois do primeiro parágrafo, tem um campo para isso].