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Aí ontem eu disse para o editor que só pretendo voltar a escrever sobre pandemia, lockdown e o escambau (rimou!) quando anunciarem, se anunciarem, o fim desse pesadelo. “Acabou! É tetra! É tetra!” – o título não será esse, mas a empolgação, sim. Conversa vai, conversa vem, comecei a imaginar esse futuro que parece remoto, mas que quero próximo.
E senti meu coração bater mais rápido e minha respiração se intensificar e tudo rodou num miniataque de ansiedade. Porque queria que esse dia fosse logo. Não, logo é muito vago. Queria que fosse amanhã. Queria ver Doctor Tedros em rede mundial, abrindo aquele sorrisão de beque do Piraporinha F. C. para anunciar: “a pandemia acabou”. Aí eu poderia voltar a viver como o eremita que sempre fui, mas sem ser obrigado.
O delírio ia muito bem, até eu tropeçar numa autocrítica. Ali estatelado no chão das minhas frustrações, entendi a razão da minha ansiedade e, nos últimos dias, de algo que pode ser visto por alguns como indignação. Melhor do que isso, entendi a virulência dos que usam palavras como “genocídio” e “impeachment”, bem como o furor revolucionário das Lumenas da vida.
Convido você, leitor, a se despir da impaciência por chegar ao fim do texto, se achegar, puxar uma cadeira e me acompanhar nessa caça à paciência perdida.
Paciência tem limite
“Paciência tem limite”, diziam as mães dos anos 1980, sempre preparadas para lançar um chinelo certeiro em nossa direção. E tem mesmo. A questão é saber qual o limite dela e por que esse limite parece se reduzir a cada dia que passa.
Eu, que não me considero a pessoa mais paciente do mundo, sou praticamente um bovino em se tratando de paciência política. Em 2002, por exemplo, quando a direita brasileira era tudo mato, um amigo me ligou dizendo que teria que sair do Brasil se o Lula vencesse as eleições. Em sua jaula de impaciência, ele andava de um lado para o outro, desesperado e temeroso de que o petista criasse uma espécie de Gulaguebras. Ao que reagi dizendo que em 2006 tudo poderia mudar. Se não fosse em 2006, seria em 2010. Ou 2014. Ou.
O amigo acabou, de fato, se mudando para os Estados Unidos, onde a impaciência o levou a um fim trágico. Eis o problema de viver sempre no limite da paciência. Já dizia um outro amigo, este psiquiatra, que a depressão é também uma distorção do tempo que nos impede de apreciar os acontecimentos à medida que eles se desenvolvem. Queremos resolver tudo hoje, agora e, ao fracassarmos, nos frustramos, ficamos ansiosos e nos deprimimos.
Se você parar para pensar, vai perceber como a impaciência reina sobre nossas vidas de decisões velocíssimas. Se a gente pede um Uber e ele demora 5 minutos para chegar, reclamamos. Idem para a pizza nossa de cada sexta-feira. Se mandamos uma mensagem por WhatsApp e o destinatário demora a responder, mesmo estando online, inventamos, por pura impaciência, as mais mirabolantes teorias a explicar por que estamos sendo ignorados. Abrimos um livro e desistimos logo nas primeiras páginas não porque o livro é ruim, e sim porque não temos paciência de avançar lentamente até o final. E assim por diante.
Essa impaciência cotidiana, extrapolada para a política, é o que gera aquela revolta que adoramos expor nas redes sociais. Uma impaciência que, vale notar, é diretamente proporcional à sensação de que estamos certos de ter uma solução mais rápida para o problema, seja ele a pandemia (fecha tudo ou abre tudo) ou as privatizações (vende tudo) ou o sistema democrático em si (derruba o presidente, prende o deputado, cala o humorista).
E mais! Se você não compartilha da minha pressa, ou melhor, dessa impaciência derivada da certeza, é porque você tem algum problema. Você deve estar recebendo unzinho por fora ou é simplesmente estúpido e não enxerga o mundo com meus olhos cheios de razão e certeza. Neste ponto, concluo que propor paciência é tão ou mais arriscado do que propor o perdão. Mas é um risco que vale a pena. Não vale, editor?
Como ter paciência
Impaciente que também sou, antevejo algumas boas contra-argumentações. “Como ter paciência com pessoas morrendo diariamente?”, deve estar se perguntando alguém agora mesmo. E minha resposta para isso é um sussurrado e envergonhado “não sei”. Analisando meu mui humilde umbigo, tendo a pensar que esse resgate da paciência é um processo que exige... paciência.
Tampouco sei responder “como ter paciência com Bolsonaro no poder?” ou “como ter paciência com as empresas fechando e as pessoas perdendo emprego?” ou ainda “como ter paciência com o Estado totalitário botando as garrinhas para fora?”. E, se não sei responder a isso, talvez seja porque a resposta não está nos mecanismos democráticos, na ciência ou na razão, e sim naquela dimensão tão negligenciada hoje em dia: o espírito.
Algumas virtudes são mais escassas do que as outras. E a paciência, neste mundo sempre apressado, talvez seja a mais escassa de todas. Além disso, paciência não dá Ibope, como se diz. Ninguém chega na mesa do bar e fala: “Ah, o STF tomou mais uma decisão equivocada. Mas vamos nos sentar aqui pacientemente, comer esse lambarizinho frito e discutir, num tom respeitoso, os detalhes e as consequências intencionais e não-intencionais da sentença”.
Sempre será muito mais interessante ver alguém gritando e batendo o pezinho porque quer uma solução pra ontem do que ver alguém admirando pacientemente a grama crescer, certo de que isso tudo também passará. Além disso, não dá para ir à farmácia e pedir uma caixa de Pacientex, né?
Paciência é um líquido precioso extraído do pré-sal da alma, para quem nela acredita. Agora, se você não acredita, paciência.