Não é de hoje que comunistas de toda sorte tentam se apropriar da fé para dar base às suas crendices políticas. Antes mesmo da Revolução Russa, Dostoiévski já falava desses falsos profetas que usavam o cristianismo para promover o socialismo e, assim, tentar criar na terra uma visão macabra do Paraíso.
“Da mesma forma, concluísse ele que não havia Deus nem imortalidade, bem poderia se juntar aos ateus e socialistas (porque o socialismo não é apenas uma questão das condições de trabalho ou do chamado quarto Estado, e sim uma questão de ateísmo, uma questão de uma forma específica de ateísmo; é uma Torre de Babel criada especificamente sem Deus, não para ascender aos Céus, e sim para trazer o Céu para a terra)”, escreve Dostoiévski em "Os Irmãos Karamazov".
É dessa tradição que faz parte o pastor José Barbosa Jr., de cuja existência fiquei sabendo por causa de uma matéria da Folha de S. Paulo que começa com o seguinte parágrafo: “Existe um livro mais vermelho do que o Manifesto Comunista, e bem mais eficaz também, já que é o maior best seller global e está nos lares de muitos daqueles que fogem de Karl Marx como o diabo da cruz. Chama-se Bíblia”.
Em condições normais de temperatura e pressão, Barbosa Jr. não teria sua heresia exaltada como alternativa político-teológica por um dos maiores jornais do país. Nem seria tema de texto meu. Mas não vivemos tempos normais. Daí porque tanto o pastor quanto a repórter aparentemente não veem nada de mais no fato de o “religioso” cobrar capitalistas R$60 para dar um curso sobre a “união para lá de possível” entre Cristo e o socialismo e mostrar que a Bíblia “esculhamba” o capitalismo.
O que escapa à compreensão tanto do pastor (para quem “o Estado é meu provedor e nada me faltará”) quanto de quem redigiu o texto sem esconder o entusiasmo é que o socialismo e o cristianismo são incompatíveis por uma questão muito simples: o uso da força intrínseco à utopia dos discípulos do camarada Marx.
É impossível criar um sistema igualitário sem apelar para as piores formas de coerção, sejam elas o medo ou o pelotão de fuzilamento. E a mensagem do cristianismo, como sabe qualquer um que já passou os olhos pelos Evangelhos, se baseia na misericórdia, na compaixão, no perdão. Conceitos que estão bem distantes da inveja, do ressentimento e da vingança que formam a base do credo marxista.
Ousadia e provocação
Mas o que chama mais a atenção na matéria (tanto é assim que ganhou destaque no título) é a confessada ousadia do pastor em dizer que o Pai Nosso é uma “oração socialista”. José Barbosa Jr. vai além e afirma que a oração traz “provocação num momento em que a gente é tomado por um capitalismo selvagem, um neofascismo”.
A ideia de uma oração provocativa saída da boca do próprio Cristo é algo que escapa à minha compreensão. Pior ainda é acreditar, não sei se do fundo do coração ou do fundo do bolso, que conceitos contemporâneos como “capitalismo” e “fascismo” possam ser aplicados a algo que busca se comunicar com o Eterno.
De ingênuas as palavras de Barbosa Jr. não têm nada. Ele sabe que seu discurso, por mais incoerente que seja, soará como música sacra aos ouvidos de uma elite progressista que ignora os preceitos mais básicos da fé cristã, mas que está disposta até mesmo a frequentar os bancos (e os púlpitos!) das igrejas evangélicas se o objetivo final for destruir os valores conservadores, incluindo aí o capitalismo.
Antes de sair por aí deturpando a palavra de Cristo e dizendo que o verso “o pão nosso de cada dia nos dai hoje” sugere desigualdade social (aff!), o aspirante a Frei Betto protestante e dublê de exegeta bem que poderia compor um “Pai Nosso socialista” mesmo, mais adequado à sua crença real no todo-poderoso Estado e nos ensinamentos de profetas como Stalin, Hoxha, Che & Fidel.
Falta-lhe criatividade? Não seja por isso:
Karl Marx que estais no hell
Socializada seja a vossa fome
Venha a nós o vosso gulag
Escravizada seja a vossa vontade
No Komintern ou no paredão
O pão nosso de cada dia nos falta hoje
Castigai as nossas ofensas
Assim como fuzilamos a que nos tem ofendido
E não nos deixeis maldizer o Partidão
Mas livrai-nos de Mao
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