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A facção criminosa conhecida como PCC (não confundir com outra facção criminosa de sigla igual, o Partido Comunista Chinês) reagiu às acusações do mensaleiro Marcos Valério publicadas na revista Veja. De acordo com a publicação, o Partido dos Trabalhadores, aquele mesmo de Lula, Dilma, Gleisi e Dirceu, mantém uma relação de longa data com os narcotraficantes.
Entre a alta burguesia petista, a notícia não fez nem cócegas. “Muito estranho ressuscitarem Marcos Valério e até Celso Daniel a poucos meses da eleição”, disse um sindicalista. “Tinha que ser careca mesmo!”, desprezou um professor universitário. “Vocês vão ter que engolir o Lula”, afirmou ou argumentou ou ameaçou alguém que passou atrás de mim agora mesmo e me viu escrevendo esta coluna.
Nas cadeias, contudo, a reação foi bem diferente. Quem viu a notícia pela primeira vez foi Zé Macaxera, 30 mortes e 50 toneladas de cocaína nas costas. Ele recebeu uma notificação em seu celular enquanto jogava Hay Day numa confortável cela do presídio de segurança máxima de Presidente Venceslau. Ao ver aquilo, Macaxera correu para avisar um superior na hierarquia da organização criminosa, um ruivo que atendia pela curiosa alcunha de Águas Ferruginosas. Meia hora mais tarde, Macaxera foi encontrado morto com algumas centenas de estocadas e uma mensagem escrita à faca no peito: “De notícia ruim nóis num gosta”.
Mas não havia nada que Águas pudesse fazer para conter a disseminação daquilo que o PCC considera a maior ofensa à história da instituição em seus trinta anos de existência. “Assim nós vai tê que acioná o jurídico e até os mano que cuida de nóis lá em Brasília”, disse Alexandre Sem Sobrenome, figura do alto escalão do PCC que alterna períodos dando golpes em velhinhos pelo celular e trabalhando como assessor de imprensa da facção.
Foi graças ao Alexandre Sem Sobrenome que consegui falar com Marcelinho Tchê Quevara, vice-presidente de relações institucionais, head of compliance e chief organizer murderer do PCC. Antes do meu encontro com a renomada fonte, porém, Sem Sobrenome me disse para ser precavido com as palavras, porque “o Quevara é extraordinário (na verdade usou uma rima com “moda”) e muito prestativo (na verdade usou uma rima com “pelica), mas tome cuidado com as perguntas”. E também me aconselhou enfaticamente a fazer a entrevista antes do almoço. Não entendi por quê.
Mocó
Cheguei ao local combinado, um restaurante chamado Mocó, e fui recebido com um abraço efusivo e provocações carinhosas. É que fui trajado com uma camiseta do ***********. Me colocaram para sentar numa dessas mesas de plástico e me serviram uma cerveja pale ale. “Disculpa. A gente tamo sem IPA”, me explicou alguém cujo nome não consegui descobrir, porque logo Marcelinho Tchê Quevara apareceu, se sentou à minha frente e, sem titubear, apontou uma arma em minha direção.
“Ô, Cabeçote, manda matá o Sem Sobrenome. O cara era parça, mais é trairage mandá aqui um cara com essa camisa imunda. Tá careca de saber que eu torço pro *** *****, pô!”. O tal de Cabeçote saiu da sala e temi pela vida do Sem Sobrenome, com quem jamais consegui contato novamente. Engoli em seco como se estivesse num desenho animado. Quase pude ver um balãozinho com “gulp” sobre minha cabeça.
Diante do meu silêncio, Quevara se pôs a falar. “Mais agora que tá aqui, desembucha, por favor [na verdade ele usou uma rima com “orvalho”]. O que é que o senhor qué sabê di nóis?”, perguntou ele. Até mesmo os repórteres mais corajosos hesitam com uma arma na cabeça, mas rezei um Pai Nosso e, de uma vez só, fui questionando todos os quês, quens, quandos, quantos e ondes que considerei necessários. E enquanto esperava pelas respostas que jamais viriam a público, imaginei as notas de repúdio da ABI, FENAJ e Sindijor.
Quevara ficou furioso. “Só num ti mato agora porque ainda num almocei”, disse. “É um absurdo essa coisa di parceria com o PT, tá ligado? Nóis é bandido, mais tem vergonha na cara. Tá pensano o quê?! Nóis num vai na Missa pra pedi voto em ano de eleição. Nóis num é loco. Nóis mata, mais num manipula foto. Nóis esquarteja, mais num chega nem perto duma urna eletrônica. Nóis explode caixa eletrônico, mais num assalta estatal. Tu e seus colega tá falano bobagem. Aquilo o papo é reto, mano. O bagulho é loco, mais tudo tem limite. Tudo!”, continuou.
Por um instante, me esqueci da arma na cabeça e me lembrei do simpático e hoje esquecido Juó Bananère (corre pesquisar no Google). Veja só as coisas que a gente lembra quando está para morrer. Quevara engatilhou a arma, fez mira bem no meio da minha testa e disse: “Só num vô ti matá porque você parece o Lênin. E tamém pra você voltá lá e iscrevê assim bem grande no seu jornal: ‘Em diálogo cabuloso, PCC nega envolvimento com PT’". Comentei que era um ótimo título, mas que, se o distinto cavalheiro me permitisse, eu acrescentaria uma fala dele: “Tu tá brincando com a sorte, truta!”, disse ele, abrindo um riso de ouro, rubi, esmeraldas e cristais Swarovsky. Sempre, pensei. Sempre.