Alexandre de Moraes e o relato de Lídia, uma colaboracionista.| Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil e print de um tuíte
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Acabei de escrever que daqui a dez ou vinte ou trinta anos, quando essa fase totalitária da nossa “democracia excêntrica” tiver passado, quero poder olhar para trás e sentir, senão orgulho, que orgulho é feio e é pecado, algo parecido. Quero me sentir bem. Não por ter sido herói, já que não tenho vocação; mas pelo menos por não ter sido covarde. Por ter feito, dentro das minhas limitações e possibilidades, o certo, e não o conveniente e fácil.

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A discussão nasceu de uma dúvida que, bem sei, está afetando todo mundo que, absurdo dos absurdos, faz questão de ser livre: devemos baixar a cabeça para as ordens ilegais de Alexandre de Moraes? Ou, no pouco que nos é permitido, devemos resistir? Particularmente tendo à resistência, mas não posso exigir que todo mundo comece a esconder judeus no porão de casa – e arque com as consequências disso.

Mas o que é que estou dizendo, meu Deus? Quantos somos os que fazemos questão de ser livres? Pelas minhas estimativas super precisas, não passamos de meia dúzia de gatos pingados, dos quais 37,5%, ao escutarem os primeiros canhões ao longe, pensarão melhor e chegarão à conclusão de que nem fazem tanta questão assim.

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E nem consigo culpá-los porque gozar a liberdade é um privilégio de uns poucos dispostos a sofrerem da angústia de tomar decisões sem a tutela de outrem. Dispostos a se responsabilizarem por decisões tomadas... livremente.

Colaboracionistas

O outro lado dessa moeda são os colaboracionistas. Como a Lídia da historinha que vou contar daqui a pouco (calma! por que a pressa?), bem como jornalistas, juristas e outros pobres-diabos que talvez preferissem se sujeitar à vontade de um Zé Dirceu ou mesmo de um Lula, mas que na atual circunstância se contentam em lamber a sola do sapato até de um tucano como Alexandre de Moraes. Desde que ele se comprometa em acabar com qualquer dissidência à direita.

Ao contrário daquela meia dúzia de gatos pingados que fazemos questão de sermos livres, os colaboracionistas nutrem uma profundíssima rejeição pela liberdade. Própria e alheia. É algo que lhes fecha a glote mesmo. De modo que o colaboracionista precisa de alguém que lhe diga o que é certo e o que é errado. No porquê a gente pensa depois ou nunca, o que vier primeiro.

E tem mais! O colaboracionista é sempre um coitado que obedece e bajula o regime na esperança de conseguir um empreguinho, uma promoçãozinha ou um tapinha nas costas de alguém que diga “Me procure na segunda e conversaremos melhor sobre isso”, ou algo bem menos promissor, como um simples “Obrigado pela sua ajuda”. Ou seja, o colaboracionista é um ser patético e (atenção para a frase de efeito!) um rato de cuja covardia se alimentam as tiranias.

Lídia

Agora, a história da Lídia. História real – ou tão real quanto podem ser as histórias contadas nas redes sociais. Pois a Lídia contou que estava de boas em casa, vibrando com a decisão de Alexandre de Moraes de “resguardar a soberania nacional e proteger a democracia”, quando notou que ainda conseguia entrar no Twitter mesmo depois do banimento supremo. Um absurdo! Aí o que ela fez?

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Ela foi até a loja da Claro mais próxima, pegou senha, sentou-se, esperou, esperou e esperou, esperou mais um pouquinho, agora vai, é a próxima. Ou seja, teve tempo de sobra para refletir e desistir. Mas, quando chegou sua vez, foi lá e reclamou que a empresa estava se recusando a obedecer a uma ordem de Sua Excelência o ministro Alexandre de Moraes. Era como se ela dissesse “quero ser censurada! não aguento essa tal liberdade de expressão”. Consta que a atendente apenas a aconselhou a apagar o aplicativo.

Será que, quando tudo isso virar passado e piada, a Lídia se sentirá bem? Será que ela reunirá os filhos e netos para, orgulhosa, contar que contribuiu para implantação de uma ditadura “para proteger a democracia” no Brasil? Sei lá. Só sei que convém terminar dizendo que hoje, mais do que nunca, rezo para termos esperança. Não a esperança de que tudo isso acabe rapidamente – o que é improvável –, e sim a esperança de que tenhamos forças e sobretudo inteligência para lutar o bom combate.

Apesar das muitas Lídias que nos cercam.