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PESADELO DE ALEXANDRE DE MORAES
Alexandre de Moraes: “Eu tive um p-p-p-pesadelo”.| Foto: IA com Allison Robbert/POOL/EFE e Adam Schultz/Casa Blanca

O grito ecoou pelo edifício Mansão Tucumã, no Jardim Europa, área nobilíssima de São Paulo. Assim que Vivi acendeu a luz, encontrou o marido de olhos esbugalhados, suando bicas (eu disse bicas!) e boquiaberto. Alexandre de Moraes, caricatura de juiz, havia se transformado na caricatura kafkiana do homem obrigado a enfrentar seus maiores medos durante o sono. E agora, de costas, agitava desesperadamente suas seis patinhas de barata no ar.

— Eu tive um p-p-p-pesadelo — disse ele. A gagueira sempre voltava nesses momentos de tensão. Vivi aprendera a segurar o riso, mas não era fácil. — E não foi aquele de sempre, com o Bo-bo-bo-bolsonaro!

Vivi não gostava de ouvir os sonhos do marido. Mas Alexandre sempre queria contar as intrincadas históricas que seu inconsciente criava — e com Alexandre não se discute. De Alexandre ninguém discorda, ninguém desafia, ninguém deixa falando sozinho. Por isso a talentosa advogada simplesmente se pôs a escutar, na remota esperança de que desta vez o sonho fosse interessante.

— O T-T-T-Trump tinha vencido as ele-le-le-leições nos Estados Unidos — começou. E vocês já perceberam que vou ter que apelar ao discurso indireto para contornar essa gagueira, né?

De lavada

— Mas venceu mesmo. Na vida real. Venceu de lavada a Kamala. Você não lê jornal, não? — perguntou Vivi, um tanto quanto impaciente. Ela consultou o relógio. Duas e meia da manhã! Lá fora, gatos se divertiam ou brigavam – não dava para saber. “É o tipo de coisa que você tem que aguentar se quer continuar sendo a esposa do homem mais poderoso do Brasil, Vivi”, disse ela de si para si, se convencendo de alguma coisa.

— Só l-l-l-leio a co-co-co-coluna do P-P-P-Polzonoff. Você s-s-s-sabe disso — respondeu Alexandre e, se a gagueira aumentou, é porque significa. Ah, se significa...!

— Aliás, faz tempo que ele não escreve sobre você*.

— Ainda bem! Mas se ele ficar sabendo do p-p-p-pesadelo... Deixa eu te c-c-c-contar.

Monstro

E contou. No pesadelo de Alexandre de Moraes, Trump venceu as eleições norte-americanas e logo depois indicou o senador Marco Rubio como seu Secretário de Estado. Até aí, nada diferente da vida real. No pesadelo, contudo, Rubio era gêmeo-siamês de Elon Musk, que dispensa apresentações mas vou apresentar mesmo assim: o homem mais rico do mundo, o dono da Tesla e do Twitter – que, para aumentar a angústia do pesadelo, era chamado não de “xis”, e sim de “écz”.

— Era um m-m-m-monstro, uma figura gr-gr-gr-grotesca, toda coberta de di-di-di-discurso de ódio e desin-sin-sin-sinformação. Ti-ti-ti-tipo o monstro daquele filme que a gente viu. A Subs-Subs-Subs-Substância.

— Só isso? — perguntou Vivi. — Ninguém mandou você provocar, Xande. Eu te avisei. Agora vamos dormir que amanhã é mais um dia de luta em defesa da democracia. Você não tem que condenar nenhum golpista a 17 anos de prisão, não?

E di-di-di-digo mais!

Ela se virou e, bufando, cobriu a cabeça. Mas não era “só isso” e Alexandre de Moraes precisava contar que, em seu pesadelo, Trump mandou o Air Force 1 ao Brasil. O avião, ladeado por dois caças F-35, pousou em pleno Eixo Monumental. De seu gabinete no STF, Alexandre de Moraes assistiu ao embarque do convidado de honra para a posse do 47º presidente dos Estados Unidos. Isto é, Jair Bolsonaro. Que, da porta do avião, deu uma antidemocratíssima banana em direção ao tribunal. Cármen Lúcia até desmaiou!

— E di-di-di-digo mais:

Alexandre promete, Alexandre cumpre, Alexandre diz. Disse ele que, enquanto Trump assumia o cargo, o porta-aviões USS Foot in the Ass, comandado por ninguém menos do que Eduardo Bolsonaro, aquele dos pen-drives, se deslocava ao Brasil. A embarcação teve um pouco de dificuldade de passar por baixo da ponte Rio-Niterói, mas conseguiu ancorar numa Baía da Guanabara de águas límpidas, apontando sua artilharia de fake-news 210mm e seus canhões com ogivas nucleares para Brasília. Pior: para um alvo que, na calada da noite, uma equipe de elite da C.I.A., formada por fuzileiros-navais de libré, havia tatuado em seu icônico e alopécico couro cabeludo.

— Aí eu... Aí eu... Aí eu...

— Aí você...

Jornalistas

Aí ele, montado num cavalo verde-oliva, e crente de que ninguém era mais poderoso do que ele, ninguém mesmo, nem Trump nem Rubio nem Musk, pôs seu livro, ou melhor, sua obra-prima de Direito Constitucional debaixo do braço e foi para a Praça dos Três Poderes, onde o aguardava um séquito de puxa-sacos e jornalistas (perdão pela redundância). A ideia era contar a história de um mirabolante golpe de Estado envolvendo militares da reserva, veneno, estilingue e bolas de gude. Os jornalistas ouviram a tudo atentamente, como sempre. Mas desta vez não aplaudiam a narrativa que Alexandre de Moraes ia proferindo assim, de improviso, aqui e ali incluindo aquela hermenêutica malemolente de sempre. Não! Os jornalistas riam. Gargalhavam.

— Até o Polzonoff? — perguntou Vivi. — Não acredito.

— Ele ma-ma-ma-mais do que todos. Ele me p-p-p-paga!

Quem é que manda

(Que medo). Os jornalistas, então, desapareceram e foram substituídos por presos do 8/1, que o torturavam. Uma idosa fazia cosquinha nos pés supremos, enquanto Débora usava um batom para escrever “Perdeu, mané!” no excelentíssimo torso. Ao mesmo tempo, Clezão enchia a boca do ministro de algodão-doce verde e amarelo.

Mas a tortura pior vinha mesmo de Bolsonaro, que usou o protótipo de uma máquina de teletransporte da Starlink para voltar ao Brasil e ficar pegando assim na última costela dele. Sabe como? Dá agonia só de imaginar. Até que, no Céu, entre as nuvens, surgiu a cabeçorra alaranjada de Trump ordenando o lançamento das ogivas nucleares.

— E o povo, tanto a esquerda ingrata e traíra quanto a direita fascista, aplaudia e gritava palavras de ordem que eu jamais deixaria que fossem reproduzidas neste jornal, nem que seja num texto de ficção. Ferido de morte por todo aquele espírito antidemocrático, aquele discurso de ódio, aquela tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, ainda tentei calar todo mundo ao me redor, mas era gente demais e acabou a fita crepe. Aí eu acordei — disse ele, sem gaguejar e recuperando a soberba que, dizem por aí, na vida real precede a queda. — Já sei! Amanhã bem cedinho vou mandar prender meia dúzia e calar outros tantos. Pra mostrar quem é que manda neste país.

* Este texto foi escrito antes do “atentado” e da Operação Contragolpe, enquanto se falava no medo que Alexandre de Moraes estaria sentindo dos ventos que soprarão do norte a partir de janeiro. Parece que faz muito tempo, mas foi há menos de duas semanas. Para você ver como o cenário muda e muda rápido.

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