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Apesar de ser uma besta matemática daquelas que só a muito custo conseguem fazer uma divisão com dois algarismos na chave, sou fascinado pelo assunto. Tanto que há uns dez anos, assim do nada, tive a brilhante ideia (todos os editores discordaram do brilhantismo dela) de escrever todo um livro-reportagem sobre o número 21.
E lá fui eu até a USP entrevistar um matemático entediado que consumiu meia hora da minha vida para atestar: não há nada de especial com o número 21 que justifique um livro sobre ele. Fuén.
Pudesse eu voltar no tempo e conversar com o jovem Paulo, sussurraria no ouvido dele (para não assustá-lo muito) o número 24. É provável que ele respondesse todo machão algo como “Tá me estranhando?!”. Mas a verdade é que o número 24 é muito mais interessante do que o 21, 22, 23 ou 25 (só não é mais interessante do que o 0). Tanto é assim que agora até a Justiça, essa que se escreve com jota maiúsculo, mas age como jota minúsculo, quer saber da CBF por que a seleção não estampa o 24 nos uniformes dos jogadores.
Se eu fosse o encarregado de responder ao grupo LGBT estranhamente preocupado com a honra do sensível e frágil número 24, começaria citando, obviamente, a matemática. Na qual o número 24, veja só, é o menor número com oito divisores positivos, um número nonagonal (o que quer que seja isso), semiperfeito (idem) e harshad (ou niven). Aqui vale mencionar que “harshad”, em sânscrito, significa “alegria”.
Que mais? Ah, o número 24 é a soma de dois números primos, 11 e 13, mas sugerir uma promiscuidade incestuosa nisso seria e é um absurdo digno de um cronista menor e preconceituoso. Longe de mim! Vinte e quatro também é o número de osculação (não estou inventando nada aqui) do espaço tetradimensional. Por fim, quando um 4 se junta a um histérico ponto de exclamação (4!), ele vira 24.
Vinte e quatro também é, acredite se quiser, o número atômico do elemento cromo, cujo nome deriva da palavra grega para “cor” e que, em nosso corpo, ajuda a aliviar sintomas de depressão e reduz as variações de humor – sobretudo na TPM. São ainda 24 as horas do dia. E, para não dizerem que o ignorei só porque ele foi um pesadelo nos meus anos de escola, convém citar aqui que o 24, quando dá um gritinho (24!), é uma aproximação do número de Avogrado.
O número 24 também é importante para os que têm fé. A Bíblia Hebraica, por exemplo, tem 24 livros. Vinte e quatro é ainda a soma que representa a Igreja completa mencionada no Apocalipse: 12 tribos de Israel mais 12 apóstolos do Cordeiro de Deus. No jainismo, religião praticada sobretudo na Índia, 24 são os tirtancaras – seres iluminados que conseguiram escapar ao ciclo de renascimentos. Aliás, já mencionei que a representação do darma é uma roda com 24 raios chamada Açoca Chacra? Pois.
Não vai citar o reino animal?, me pergunta alguém. Vou. Porque Vinte e Quatro era o nome de um famoso cavalo de corrida norte-americano. Entre 1961 e 1962, ele foi um verdadeiro Ayrton Senna dos hipódromos. Uma vez aposentado, o garanhão virou reprodutor cobiçado. O nome dele, vale mencionar, foi tirado da canção de ninar “Sing a Song of Sixpence”, muito conhecida no século XVIII e que menciona 24 pássaros pretos servidos numa torta (eca!).
E mais: um computador precisa de 24 bits para representar uma true color. Ouro puro é o de 24 quilates. O ano solar chinês tem 24 ciclos. Um filme é exibido à velocidade de 24 frames por segundo – o que basta para enganar o tolinho do olho humano. O alfabeto grego tem 24 letras – e até por isso a “Ilíada”, de Homero, tem 24 cantos.
Se isso tudo há de convencer a Justiça, ou melhor, “justiça” de alguma coisa, não tenho a menor ideia. Mas os fatos estão aí expostos. Com tanto simbolismo dando sopa para ofender os disléxicos, os ateus, os cromodeficientes, os traumatizados por canções de ninar, os que perderam tudo nas corridas de cavalo e até os fãs da Cindy Lauper, nada mais prudente do que deixar o 24 lá no cantinho dele, sem incomodar ninguém.